Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Os rendimentos ontem ilícitos metamorfoseiam-se em recursos sem mácula, propriedade de homens ou empresas de sucesso

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1. Na última crónica sobre este assunto chamámos a atenção para a crescente importância das organizações criminosas transnacionais (OCT) capazes de obter elevados ganhos ilícitos utilizando para tal a mundialização das actividades sociais, assente em estruturas várias de geometria variável, com uma rapidez de actuação superior às organizações policiais, utilizando as fronteiras em seu proveito e apresentando uma enorme resistência à repressão legalmente instituída. OCT que não deixam de apresentar canais vários de interligação com as elites sociais (económicas e políticas), existentes numa sociedade que tem reforçado as desigualdades nacionais e internacionais.

Referimos igualmente a importância nacional e internacional que as OCT assumiram na Europa nas últimas décadas.

2, Esta situação é, em si mesmo, particularmente gravosa do futuro da humanidade gerando degradação das situações ambientais (ex. tráfico e armazenamento de resíduos tóxicos), conflitos militares e terror (ex. tráfico de armamento e mercenários, relações com o terrorismo), degradação humana (ex. tráfico de seres humanos e escravidão), dependência humana de substâncias funestas (ex. tráfico de droga), Enfim, aumento generalizado das infracções económico-financeira e degradação do respeito pelos direitos dos cidadãos.

O papel central das máfias nigerianas no transporte de droga do continente americano para o europeu, recorrendo para tal ao recrutamento de desempregados portugueses e espanhóis é um dos muitos exemplos susceptíveis de ilustrar alguns dos aspectos anteriores.

E se não é possível estimar a importância das actividades criminosas na economia mundial podemos categoricamente dizer que são uma percentagem bastante significativa do produto interno mundial, apresentam uma enorme liquidez e potencialidades de aplicação rentável nas actividades económicas legais (ex. num cálculo prudente da facturação mensal de heroína na Europa Ocidental estima-se em 381 milhões de euros para as redes de tráfego).

Para tal necessita de encobrir a sua origem criminosa, proceder à lavagem do dinheiro, ao branqueamento da riqueza (colocação da riqueza de origem ilegal, circulação de despiste da origem, integração em negócios legais). E se é verdade que os Estados e os seus aparelhos policiais e judiciários perscrutam intensamente o que aí se passa, também o é que a ideologia neoliberal e o fideísmo nos mercados criam espaços privilegiados para tal como o demonstram as redes internacionais de paraísos fiscais e judiciários, com hiperfacilidades de utilização e sigilo, sem regulação e fiscalização adequada. Com utilização dos offshores, testas de ferro, empresas fantasma, outras legalmente constituídas, e contratos para serem cumpridos, ameaças de morte e corrupção fomentada em diversos sectores e entidades, envolvimento de personalidades socialmente bem colocadas social e politicamente, compadrios e conflitos de interesse, aproveitamento da anomia, degradação ética e exaltação da eficiência económica os rendimentos ontem ilícitos metamorfoseiam-se em recursos sem macula, propriedade de homens ou empresas de sucesso.

3. Num período de escassez de liquidez na actividade económica visível (resultante da crise, endividamento dos Estados, dificuldades das empresas, descapitalização dos bancos, etc.) a grande liquidez das OCT permite-lhes comprar nacionalidade (ex. vistos gold), controlar os Estados (ex. influenciando juros, financiando-os, controlando fundos), dominar sectores estratégicos dos países (ex. participando nas privatizações), actuar quotidianamente no funcionamento da economia.

Simultaneamente o homem tende a desaparecer como objectivo essencial da actividade económica para se transformar em seu instrumento ao serviço de alguns e da velada criminalidade económica internacional.