Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Na verdade, se tudo funcionasse bem e as entidades fiscalizadoras fizessem o seu papel, os “lançadores de alertas” não seriam necessários.

...

Tal como muitos outros “lançadores de alertas”, também Rui Pinto tem estado sobre a mira da comunicação social por ter denunciado publicamente alegadas práticas eticamente condenáveis ou mesmo ilegais. Faz parte de uma lista já alargada de pessoas que revelaram escândalos com impacto na opinião pública e que acabaram sempre por ter consequências políticas. Como outros “lançadores de alertas”, corre riscos pessoais, enfrenta a justiça e corre, por isso, também riscos materiais.

Devemos considerar Rui Pinto um “herói” ou um “bufo”? Independentemente do juízo de valor, creio que o seu papel é inegável na denúncia de supostos escândalos relacionados com corrupção, fraude fiscal e outros crimes, permitindo colocar a ética acima de tudo. A sua intervenção poderá contribuir para provocar uma reflexão quanto às disfunções que revela, introduzir justiça, gerar mudanças no discurso público e reduzir os níveis de impunidade. Não é por acaso que, tendo em conta a relevância dos “lançadores de alertas”, vários países procuram legislar sobre esta matéria.

De acordo com a Transparência Internacional, o “lançador de alertas” é alguém que denuncia comportamentos relacionados com corrupção, ofensas criminais, ameaças à saúde pública, ameaças à segurança ambiental, abusos de autoridade, uso indevido de fundos ou propriedade públicos, práticas de manifesta má gestão, conflito de interesses ou ainda qualquer atividade destinada a encobrir todas estas práticas. Para a Transparência Internacional cabe às autoridades dos Estados nacionais garantir a proteção dos “lançadores de alertas” contra possíveis retaliações, assim como a criação de mecanismos que permitam realizar denúncias, preservando a identidade do denunciante e o seu anonimato, caso assim o pretenda.

A importância crescente dos “lançadores de alertas” e o reconhecimento do seu papel não deixa de nos causar desconforto, ao mesmo tempo que nos interpelam para uma reflexão sobre o nosso modelo de sociedade. Na verdade, se tudo funcionasse bem e as entidades fiscalizadoras fizessem o seu papel, os “lançadores de alertas” não seriam necessários. A verdade, porém, é que foi sendo construída uma realidade invisível, escondida debaixo de um manto espesso e mantido por uma constelação de interesses. Se hoje sabemos mais sobre essa realidade invisível devemo-lo aos “lançadores de alertas”. E, neste contexto, é graças aos “lançadores de alertas” que ficamos a saber que os nossos governos, mais do que espetadores coniventes, foram cúmplices desta trama que, como geralmente acontece, trama sempre o humilde cidadão.