Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

É necessário reforçar a ética no dia-a-dia e nas decisões estratégicas. Há que promover estudos do impacto ético de muitas decisões futuras.

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Reconhecemos a importância dos estudos prévios sobre o impacto ambiental de uma decisão técnico-política. É o correcto reconhecimento que é muito importante “podermos viver no nosso planeta de forma sustentável” e garantir que as futuras gerações tenham condições de de vida possíveis e saudáveis. Tem-se criado uma opinião pública atenta às problemáticas ecológicas.

Há que perguntar: não devemos preocuparmo-nos igualmente com a situação ética actual e os seus impactos futuros?

É possível (sobre)viver num mundo em que os 1% dos mais ricos possuem mais riqueza que os 99% restantes e que as diferenças entre os países ricos e pobres aumentam rapidamente? Numa sociedade em que muitas vezes o lucro é atingido por meio da eliminação da capacidade produtiva e do emprego? Em que os «direitos humanos» passam pelo desprezo pela vida dos emigrantes (e não só), pelo sistemático risco de pobreza de grande parte da humanidade? Em que não há poucas centenas de milhões de euros para garantir uma vida digna aos cidadãos mas há milhares de milhões para nacionalizar os prejuízos da banca?

Poderemos nós, cidadãos europeus, ler tranquilamente a obra filosófica e ética de Kant quando este continente lidera a rede mundial de offshores, centros nevrálgicos da lavagem de dinheiro (incluindo do crime organizado transnacional) e da fuga aos impostos (aumentando os montantes pagos pelos restantes)? Olhar com admiração para a Revolução Francesa e a democracia criada, quando há tantas ameaças à liberdade e este continente aumenta o número de máfias actuantes?

Cada um responderá a estas perguntas da forma que entender conforme o seu posicionamento social, o seu discernimento epistemológico e as suas opções ideológicas, mas nós não hesitamos: é necessário reforçar a ética no dia-a-dia e nas decisões estratégicas. Há que promover estudos do impacto ético de muitas decisões futuras.

Consideramos que tal é particularmente imperioso e urgente em relação à produção legislativa na Assembleia da República onde os conflitos de interesse são bem conhecidos, assim como a reduzida eficácia da Comissão de Ética, apesar do empenhamento sincero de muitos; onde se decide sobre temáticas estratégicas (incluindo sobre a corrupção, o branqueamento de capitais e crimes conexos); onde é clara a falta de preparação científica de muitos e a tendência disciplinar de cada um é manifesta (mesmo para abordar problemáticas interdisciplinares como a fraude).

Haverá a capacidade de estagnar a degradação da honradez?