Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

Tenho fortes divergências políticas com Mamadou Ba. O momento, contudo, não é de as discutir ou evocar. O momento é de nos colocarmos ao seu lado defendendo o seu direito à palavra, defendendo os Direitos Sociais e Civis da comunidade negra e de o proteger de ameaças.

Os acontecimentos de dia 20 de Janeiro último no bairro de lata da Jamaica, onde vivem há décadas em condições ultrajantes milhares de pessoas negras, para as quais nunca houve dinheiro para prover um alojamento condigno, em que um grupo de polícias agrediu violentamente três pessoas, duas mulheres e um homem de 63 anos, vieram confrontar-nos com a pergunta sobre que sociedade pretendemos ser: uma sociedade aberta, diversificada e inclusiva ou uma sociedade fechada, dual e racista.

Num vídeo que se tornou viral vê-se um conjunto de polícias a bater sem razão em três pessoas negras. Segundo a polícia antes desta violência gratuita os polícias teriam sido apedrejado tendo um deles sido atingido. Mas a verdade é que no vídeo não vemos qualquer tentativa de prender quem quer que seja, o que vemos é uma orgia de violência sem sentido nem justificação. Os acontecimentos anteriores que os polícias envolvidos alegam, e para os quais não há imagens, não servem, pois, de justificação às agressões. A prerrogativa de uso da força está limitada pelo seu uso módico e apenas quando justificado. Não é o que vemos no vídeo.

No entanto o coro de certa comunicação colocou-se do lado dos polícias agressores e condenou as vítimas. Nas diversas televisões grupos de comentadores brancos, que na sua grande maioria nunca puseram um pé num gueto negro da periferia, que nunca falaram com as vitimas do racismo, que nada sabem da vida dos jovens acantonados e condenados ao fracasso escolar em turmas só de negros, que nunca leram sobre o racismo e o não são capazes de definir, propalam insistentemente e com ar sério que não existe racismo em Portugal. Raramente essas televisões se lembram de convidar um negro ou uma negra para expor o seu ponto de vista. Inacreditável.

Pior ainda foi a atitude de indiferença perante as injurias, as perseguições e as ameaças à integridade física de Mamadou Ba, o Homem (notem a maiúscula) que tem corajosa e sistematicamente denunciado o racismo e apoiado as vitimas.

Tenho fortes divergências políticas com Mamadou Ba. O momento, contudo, não é de as discutir ou evocar. O momento é de nos colocarmos ao seu lado defendendo o seu direito à palavra, defendendo os Direitos Sociais e Civis da comunidade negra e de o proteger de ameaças. É o momento de dizer: estamos juntos.

No momento em que foram atacados os franceses uniram-se sob o signo "je suis Charlie", querendo manifestar a sua solidariedade às vítimas de grupos extremistas. Agora que a extrema-direita racista ressurge em múltiplos grupos violentos (alguns infiltrados na polícia), agora que as televisões dão voz e audiências ao Mário Machado, agora que se debate o racismo sem a presença das vítimas (um tipo debate excludente que é ele mesmo uma forma de racismo), é também momento dos antirracistas se solidarizarem com Mamadou Ba e proclamarem "je suis Mamadou", que é o mesmo que dizer "touche pas à mon pote".

Economista