Ana Clara Borrego, Jornal i

É essencial, no interesse do bem comum, que contribuintes e Estado aprendam a relacionar-se

A relação dos contribuintes com o Estado, sobretudo enquanto entidade cobradora de impostos, é complexa e comporta em si interesses que podem revelar-se inconciliáveis. Por um lado, a administração tributária, com os deveres de cobrança e fiscalização, procurando maximizar as verbas cobradas, pois delas depende a capacidade do Estado de realização de despesa pública; por outro lado, os contribuintes cujo intuito é minorar o efeito negativo dos actos impositivos do Estado, almejando evitar, minorar, ou retardar os impostos a entregar ao Estado.

Em geral, na óptica dos contribuintes, a tributação é sentida, assim, como um acto impositivo lesivo do seu património, não percepcionando as contrapartidas do Estado como proporcionais ao esforço tributário que exige.
É essencial, no interesse do bem comum, que contribuintes e Estado aprendam a relacionar-se, até porque o paradigma impositivo alterou há muitos anos, tendo transitado para um tipo de tributação que assenta, essencialmente, nas declarações dos contribuintes e na presunção da sua veracidade, assim como, no «Princípio da Cooperação» entre o Estado e os contribuintes; não mudaram, todavia, as mentalidades dos intervenientes.

A Autoridade Tributária continua a visualizar em cada contribuinte um potencial transgressor e a ter uma actuação mais repressiva do que preventiva, a qual assenta, sobretudo, num desempenho que acalenta o medo de detecção de incumprimentos no contribuinte, em detrimento do aumento dos seus níveis de moralidade e cidadania fiscal.

As empresas, por sua vez, continuam a percepcionar o Estado como um “sócio” não convidado, o qual não entrou na empresa com capital nem com trabalho, mas que, se sente com direitos de ditar regras, exigir que lhe prestem contas e a comungar dos resultados positivos, não se preocupando com a “saúde” das empresas, nem com o bom desenvolvimento da sua actividade, limitando-se a procurar extrair delas o máximo rendimento possível, qual dono impaciente da galinha dos ovos de ouro.

A perspectiva dos contribuintes não empresariais, relativamente à actuação do Estado, enquanto entidade cobradora de impostos, não é muito distinta daquela que figurativamente atrás descrevi, todavia, no contexto empresarial ela é sentida de forma mais constante e veemente.

O “novo” paradigma tributário ao assentar nas declarações dos contribuintes e na sua presunção de verdade e boa-fé, pressupunha uma actuação mais cooperante dos intervenientes.

Atendendo ao facto do Estado ser o sujeito activo da relação tributária, na minha opinião, caber-lhe-á encabeçar a necessária mudança de mentalidades, assumindo uma atitude de parceria com os contribuintes, bem como de facilitador do cumprimento fiscal. Também compete ao Estado “limpar” a sua imagem de “sócio” indesejado que só recebe sem contribuir. Neste escopo, é imprescindível que o Estado compreenda o quão essencial é a comunicação com o contribuinte e o quanto ela pode ser favorável à relação tributária.

É, assim, urgente a aposta do Estado em políticas que visem o aumento dos níveis de cidadania e moralidade fiscais dos contribuintes, para tal, é imprescindível que o Estado actue em alguns vectores estratégicos, nomeadamente, em políticas de educação fiscal, na transparência no uso de dinheiros públicos, na divulgação e promoção da importância para a sociedade dos investimentos do Estado.

Termino esta crónica referindo que se os impostos são o preço por viver numa sociedade civilizada e organizada, é importante que o Estado compreenda que numa transação comercial cabe ao vendedor convencer o comprador que o preço que cobra é justo e proporcional, comparativamente com aquilo que “oferece” em troca.