Ana Clara Borrego, Visão online

Em relação a 2018, o Institut Économique Molinari determinou o dia 12 de junho como “dia da libertação dos impostos” para os portugueses, o que significa que os portugueses necessitaram de 162 dias do seu trabalho, o equivalente ao período entre o primeiro dia do ano e o dia 11 de junho de 2018, para conseguir cobrir o quantitativo de imposto sobre o rendimento, sobre o consumo e segurança social que sobre si recaíram, durante aquele ano.

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Inicia-se um novo ano civil e com ele um outro ano fiscal, o qual será regido por um novo Orçamento de Estado que, tal como já tive oportunidade de referir em crónicas anteriores, aposta, mais uma vez, no aumento de impostos, mormente naqueles que incidem sobre o consumo das famílias. Inevitavelmente, perante este cenário, espera-se, para o ano 2019, um aumento da carga fiscal sobre os cidadãos, num país onde os níveis de tributação há muito, na minha opinião, atingiram níveis excessivamente elevados, quando comparados com o valor médio do rendimento disponível da maioria da população.

Aqueles que acompanham estas reflexões sabem que, a excessiva carga fiscal sobre os contribuintes é um tema que abordo frequentemente, embora procure não o fazer sempre da mesma forma. Assim, nesta crónica vou retomar o tema do “dia da libertação dos impostos” (the tax freedom day), por se tratar de um importante indicador da carga fiscal sobre os cidadãos, o qual, em Portugal é, praticamente, ignorado pela opinião pública e pela comunicação social.

Antes de mais, para os leitores que desconhecem o que é o “dia da libertação dos impostos”, importa explicar o significado deste indicador, bem como a sua relevância.

Em relação aos países da União Europeia, aquele indicador é calculado pelo Institut Économique Molinari e faz parte de um relatório denominado Tax Burden of Typical Workers in the EU 28. O “dia da libertação dos impostos” simboliza o dia a partir do qual, em média, os cidadãos de um determinado país deixam de trabalhar para pagar os impostos e a segurança social ao Estado, passando a trabalhar em prol de si próprios.

Aquele indicador consubstancia-se no resultado da confrontação do total de rendimentos brutos auferidos pelos cidadãos de um determinado país, com os seus rendimentos efectivamente disponíveis, isto é, depois de abatidos os impostos sobre o rendimento, sobre o consumo e segurança social suportados pelos mesmos cidadãos.

Atendendo às sucessivas alterações de que são alvo os sistemas fiscais, bem como às diferenças entre países nos impostos que compõem esses mesmos sistemas fiscais, nomeadamente no que concerne a taxas, tipos de dedução à colecta, entre outros factores, este indicador tem como característica a objectividade, bem como a possibilidade de permitir realizar comparações longitudinais, isto é, acompanhar a evolução ao longo dos anos num determinado país, assim como, comparar os resultados, num determinado ano, entre países.

Em relação a 2018, o Institut Économique Molinari determinou o dia 12 de junho como “dia da libertação dos impostos” para os portugueses, o que significa que os portugueses necessitaram de 162 dias do seu trabalho, o equivalente ao período entre o primeiro dia do ano e o dia 11 de junho de 2018, para conseguir cobrir o quantitativo de imposto sobre o rendimento, sobre o consumo e segurança social que sobre si recaíram, durante aquele ano.

Aquele facto, acrescido da circunstância do Orçamento de Estado de 2019 ser, ainda, mais agressivo para as famílias, numa perpectiva fiscal, comparativamente com os anteriores, conduziu-me ao âmago desta crónica e à interpelação que talvez devêssemos começar a fazer aos portugueses nesta época do ano: “Prontos para trabalhar cerca de metade do novo ano para pagar impostos?”

A questão que, neste contexto, se coloca, frequentemente, é qual a posição relativa de Portugal neste indicador, isto é, somos aquele país da Europa em que o peso dos impostos nos rendimentos auferidos é mais pesado?

A resposta àquela pergunta é, inequivocamente, não, pois Portugal encontra-se no grupo do meio na tabela, ocupando o 17º lugar num tabela de 28. A tabela é “fechada” por Chipre, país onde o “dia da libertação dos impostos” ocorre mais cedo dentro da Europa dos 28 (o “dia da libertação dos impostos” no Chipre, em 2018, ocorreu em 27 de março) e a tabela é encabeçada pela França, o país da UE onde é necessário sacrificar mais dias de trabalho dos cidadãos para o pagamento de impostos e segurança social (é importante referir que, em 2018, os cidadão franceses só puderam comemorar o “dia da libertação dos impostos” em 27 de julho).

Note-se que a França, nos últimos anos tem liderado este indicador, situação que conjugada com outros factores, não pode deixar de ser associado, enquanto factor conducente, à revolta fiscal e social que aquele país vivencia neste momento, cuja face mais visível é o movimento dos gilets jaune.

Perante o contexto actual, não podendo deixar de constatar, mais uma vez, os perigos da excessiva carga fiscal, na minha opinião os ministros das finanças e os governantes dos vários países deveriam reflectir, seriamente, sobre a revolta fiscal que está a suceder em França, compreendendo-a enquanto tal e não como revolta política, pois é urgente os governos identificarem o momento em que a carga fiscal se torna, de facto, insuportável, para evitar o alastramento em peso daquelas revoltas, mormente porque a tabela do indicador do “dia da libertação dos impostos” tem mais “Franças” do que “Chipres”.

Poderia terminar esta crónica citando um qualquer autor da actualidade, mas optei por terminar com uma citação tão antiga quanto as últimas revoltas fiscais de que havia memória na Europa: “Os súbditos são como mulas, que há que carregar tanto quanto possível, mas não tanto que rejeitem a carga” (Cardeal de Richelieu, Chefe do Conselho de Estado no reinado de Luís XIII, França, século XVII).