Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

O defraudador aprende a sê-lo em interacção “com outras pessoas”, no “seio de grupos sociais íntimos”.
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Edwin Sutherland (1883-1950) foi um sociólogo americano que se notabilizou pelo estudo de alguns aspectos da criminalidade e do crime, que continuam a caracterizar a realidade contemporânea: o papel das elites sociais no cometimento de fraudes (criminalidade de colarinho branco) e na constatação que aquelas não são resultado duma herança genética, de personalidade ou de estatuto social, mas antes de um processo de aprendizagem (associação diferencial), numa sociedade multifacetada em grupos, interesses, instituições e culturas. Uma aprendizagem que se potencia se o ambiente social global for permissivo ou lascivo no seu combate.

O defraudador aprende a sê-lo em interacção “com outras pessoas”, no “seio de grupos sociais íntimos”. Aprende as técnicas e motivos, as racionalizações e «justificações» para o seu cometimento, reflectindo, pela via do que é aprendido, a “frequência, duração, prioridade e intensidade” das associações diferenciais com quem aprende, como se de qualquer outra aprendizagem se tratasse.

A ética transmitida desde pequeno pelo agregado familiar e a visão deontológica da sua actividade profissional, os valores sociais, o grau de anomia e a tipologia da etiquetagem dominantes, o ambiente concorrencial ou cooperativo reinante são outros factores susceptíveis de potenciar ou obstaculizar o processo de aprendizagem.

Quando a situação actual é o resultado de algumas décadas de degradação da honra, de aumento das fraudes económico-financeiras, de enfraquecimento da capacidade de intervenção do Estado face às prepotências das grandes empresas, de aumento da importância do crime organizado transnacional e do entrelaçamento entre as actividades legais e ilegais, mediado pelo branqueamento de capitais, da valorização da eficiência em detrimento da dignidade institucional e da efectiva responsabilidade social, estão escancaradas as portas para uma aprendizagem do cometimento de fraude.

A imposição empresarial e a aceitação política da existência e banalização das actividades económicas envolvendo os paraísos fiscais e judiciários ‒ vulgo offshores ‒ são um forte símbolo, e realidade relevante, do ambiente favorável à fraude e à formação de novos defraudadores.

É urgente e socialmente imperioso inverter o processo.