António Dias, Visão online
Por cada Visto Gold concedido… os estados deviam acolher um refugiado. .
No passado mês de outubro foi apresentado o relatório internacional denominado “European Getaway Inside the Murky Word of Golden Visas” (Escapadela Europeia Dentro do Obscuro Mundo dos Vistos Gold), conduzido em parceria pela Transparência Internacional e pela Global Witness com o apoio do Consórcio Global Anticorrupção.
Após apresentar os principais factos e o impacto económico deste tipo de programas em toda a Europa, o relatório expõe os principais riscos associados à venda de cidadania e de direitos de residência na UE, pormenorizando as caraterísticas e a vulnerabilidade aos riscos de corrupção dos regimes mais permissivos, designadamente os regimes em vigor em Portugal, Chipre e Malta.
Apesar da escassez de dados oficiais, de acordo com o relatório, estima-se que os Vistos Gold gerem cerca de 13 biliões de dólares em cada ano, existindo atualmente uma tendência de crescimento que permite prever que no espaço de dois anos venham a gerar 20 biliões de dólares anuais.
Quando comparados com o resto do mundo, os Vistos Gold proporcionados por países europeus, com um custo médio de cerca de 900.000€, são dos mais dispendiosos. Porém, é possível obter residência na Grécia e na Letónia por apenas 250.000€ em contraste com a aquisição do passaporte Austríaco que pode custar cerca de 10 milhões de euros.
Apesar de mais caros, a Europa acolheu nos últimos 10 anos mais de 6.000 novos cidadãos e cerca de 100.000 novos residentes através da transação de Vistos Gold o que representa a captação de pelo menos 25 mil milhões de euros em investimento direto estrangeiro.
Portugal, com uma captação média de 670 milhões de euros por ano, encontra-se em terceiro lugar no ranking dos países europeus que mais tem beneficiado com os Vistos Gold, apenas superado por Espanha (976 M€/ano) e Chipre (914 M€/ano).
O regime português, considerado como um dos mais atrativos do mundo, concedeu desde o início do programa, em outubro de 2012, um total de 18.057 autorizações de residência (6.687 autorizações de residência para investimento e 11.370 autorizações de residência a familiares reagrupados), obtendo novamente o terceiro lugar do ranking europeu, logo após Espanha (24.800) e a Hungria (19.800).
De acordo com dados disponibilizados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, das 6.687 autorizações de residência para investimento (ARI) emitidas pelo Estado Português, 6.320 estão relacionadas com a aquisição de bens imóveis, 355 com transferência de capitais e apenas 12 foram emitidas por criação de pelo menos 10 postos de trabalho. No top 5 das nacionalidades a quem foram concedidas ARI, encontramos a China (3981 – 60% do total), Brasil (608), África do Sul (265), Turquia (264) e Rússia (232).
Por esta via, ao longo de seis anos, foi captado investimento estrangeiro no montante total de 4.078 M€, correspondendo cerca de 3.698 M€ (91% do total) à aquisição de imóveis, essencialmente no centro de Lisboa, o que aumentou exponencialmente a pressão sobre o mercado imobiliário e pouco contribuiu para a criação de emprego.
De qualquer forma, é inegável que a concessão de Vistos Gold, por via da atração do investimento privado, pela captação de divisas e pela obtenção de receitas fiscais, tem um impacto económico significativo em Portugal. Porém, ao contrário das regras aplicáveis aos naturais do nosso país no que respeita às chamadas “manifestações de fortuna”, apesar da grandeza dos montantes envolvidos, não é questionada a fonte de riqueza dos requerentes. Por esse motivo, os Vistos Gold se forem concedidos a criminosos e corruptos, configuram um esquema expedito de branqueamento de capitais que oferece como brinde o estatuto de residente em Portugal ao qual está associado a livre circulação dentro da Comunidade Europeia e facilidades de acesso dentro e fora do espaço Schengen.
Apesar de desconhecermos o perfil e as reais motivações dos diversos requerentes, podemos admitir que nem todos cometeram crimes ou enriqueceram de forma ilícita. Faz todo o sentido que um cidadão estrangeiro queira investir noutro país (eventualmente com uma situação política e económica mais estável do que a verificada no seu país de origem) ou proporcionar aos seus filhos uma educação de melhor qualidade. Porém, numa perspetiva mais obscura, a colocação de património no estrangeiro para além de potenciar a evasão fiscal e o branqueamento de capitais de origem duvidosa pode contribuir para financiar o crime organizado e o terrorismo, podendo mesmo por em causa a integridade da UE.
De acordo com o relatório em análise, o benefício financeiro dos esquemas de Vistos Gold é prejudicado pelos riscos decorrentes da falta de diligência, por conflito de interesse e pelos amplos poderes discricionários que resultam da atuação dos serviços públicos envolvidos. A falta de rigor na concessão de Vistos Gold, para além de permitir a entrada de pessoas corruptas, potencia também a corrupção dos próprios estados. Em Portugal, como todos nos lembramos, os Vistos Gold já deram origem a um caso judicial que envolve altas figuras do estado e da administração pública por suspeitas da prática de crimes de corrupção, branqueamento de capitais, prevaricação, tráfico de influências e peculato.
Sendo certo que não passa de uma opinião irónica, já que existem listas que identificam internacionalmente os países considerados como “paraísos fiscais”, sugiro a criação de uma lista que identifique os países que oferecem (ou melhor, vendem) Vistos Gold à qual poderíamos chamar “Lista de Paraísos Residenciais” e na qual, certamente, Portugal estaria nos lugares cimeiros.
Estando esta crónica já longa, termino com uma comparação que considero pertinente e que obriga à reflexão de todos nós. Sabiam que desde o início de 2012 até ao final de 2017 Portugal acolheu cerca de 1.400 refugiados? Não será pouco quando comparado com as 18.057 autorizações de residência emitidas no âmbito dos Vistos Gold? Como podem os políticos europeus negar acolhimento a refugiados quando, em simultâneo, vendem autorizações de residência em número muito superior? Será a “cidadania” apenas um negócio?
Sei que é utópico, mas num cenário de crise migratória, não seria socialmente justo reinvestir os montantes provenientes dos Vistos Gold no apoio aos refugiados?
Lanço a ideia: Por cada Visto Gold concedido… os estados deviam acolher um refugiado. Como sou otimista, até já imagino o mote da campanha política a realizar junto da União Europeia: “Em Portugal, por cada Visto Gold… acolhemos um Refugiado! Faça o mesmo no seu país”.