Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Os indivíduos e as organizações sentem o que pagam e os Estados o que não recebem (gap fiscal).

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Os impostos atingem todos. Aos indivíduos e às organizações porque os têm de pagar (e usufruir dos resultados da utilização dessas verbas) e os Estados porque os querem receber (e utilizar de acordo com seu efectivo programa político). Frequentemente o impacto do pagamento é mais sentido que o resultado das suas utilizações. Essencialmente porque se é mais sensível à «dor» que ao «prazer», sobretudo quando este é parte do quotidiano e está banalizado, é mais proveniente do conhecimento, do que do sentir, e de projectos de longo prazo.

Os indivíduos e as organizações sentem o que pagam e os Estados o que não recebem (gap fiscal). Os primeiros tendem a esquecer-se do que usufruem pelos serviços públicos, por vezes essenciais para a sua sobrevivência. Os segundos olvidam que, pela mesma razão, pagam genericamente aos seus trabalhadores salários abaixo do valor da força de trabalho. Os terceiros desmemoriam que representam politicamente os interesses (diversificados e diferenciados, quiçá contraditórios) das sociedades que justificam a sua existência.

O primado das relações económicas sobre as diversificadas interacções sociais efectivamente existentes, a hegemonia das grandes multinacionais, e a relevância da criminalidade organizada transnacional, no mundo dos negócios, e a dependência dos Estados destes actores, por razões de práticas e tácticas passadas e opções ideológicas, são pilares basilares da leitura desfocada da fiscalidade. A importância decisiva do branqueamento de capitais na economia mundial e a vasta rede de paraísos fiscais e judiciários, o primado do paradigma da «racionalidade» na formação dos quadros das organizações, a proeminência da «liberdade individual de escolha» escancarada pelo consumismo, a hegemonia do curto prazo na reorganização das vivências sociais são alguns do factores permissivos e amplificadores das distorções anteriormente referidas.

Os estudos sobre a «moral tributária», com esta designação ou outra ‒ constatação empírica das relações entre a disponibilidade e aceitação para pagar impostos e um conjunto de variáveis das realidades social e individual ‒, confirmam-no peremptoriamente. Sistematicamente a variável «confiança no Governo» influencia positivamente a vontade de cumprir as obrigações fiscais.

Fica, contudo, deste dado duas interrogações: (1) Estado ou Governo? (2) Porquê essa confiança?