Tiago Marcos, Jornal i
O crescimento da vaga de populismo exacerbado que se tem vivido nos países ocidentais é justificado pelas fragilidades do regime democrático
Esta semana, o Brasil esteve perto de eleger, como presidente do país, um político cujo discurso é abertamente baseado em ataques sociais e em retrocessos históricos, sendo mais um país a cair nos aparentes e enganadores encantos daquele que é o principal perigo à democracia como a conhecemos, o populismo. Assim, é essencial refletirmos sobre o que o populismo significa para a sociedade atual, em especial considerando o período pré-eleitoral em que Portugal se encontra, pela aproximação das eleições de 2019 para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República.
Para tal, vale a pena recordar que os países ocidentais experienciam (por regra) aquele que é comummente aceite como o mais justo regime político conhecido, o regime democrático, fruto da evolução social conquistada especialmente nos séculos XIX e XX. Este regime baseia-se no simples princípio (ainda não completamente implementado) de que todos os cidadãos de uma geografia têm igualdade de direitos, liberdades e garantias, independentemente do seu sexo, raça, ou contexto socioeconómico. Ainda assim, são várias as fragilidades conhecidas do regime democrático, importando realçar (pelo teor da presente crónica) a ação política pouco ética, em especial:
- A incapacidade frequentemente demonstrada, pelos eleitos democraticamente, em gerir racionalmente dinheiros públicos em prol do eleitoralismo e dos interesses privados, para além dos frequentes casos de corrupção (tal como foi o caso da Operação Lava-Jato no Brasil), o que tem reaberto o espaço de aceitação social ao populismo; e,
- A capacidade de distorcer a verdade, dos candidatos políticos, com vista a caçar os votos dos cidadãos que estejam menos informados sobre quaisquer matérias em discussão, o que, apesar de se ter sempre verificado, toma uma nova dimensão com as ideologias populistas, pela agressividade das ideias defendidas (tal como foi, por exemplo, o caso das ideias defendidas pelo partido nazi na Alemanha).
Logo, parece-me que o crescimento da vaga de populismo exacerbado que se tem vivido nos países ocidentais é largamente justificado pelas referidas fragilidades do regime democrático, quando pessoas e partidos políticos tradicionalmente extremistas (seja de direita ou de esquerda) procuram tirar proveito dos medos, inseguranças e preocupações de cada cidadão para aumentar o seu poder no espaço político representativo de cada país. Podem ser enumerados vários exemplos de ideias demagógicas que têm estado em voga, tal como:
- Ideias ultranacionalistas como a promoção de políticas anti-imigração ou anti minorias sociais ou étnicas (incluindo a construção de muros entre países), culpabilizando as minorias sociais por todas as fatalidades que ocorrem numa sociedade. No entanto, naturalmente que estas ideias não têm em conta os plenos direitos humanos (fundamentais para um regime democrático) ou os benefícios económicos, sociais e culturais da diversidade étnica, desde que todos cumpram as mesmas regras;
- Ideias protecionistas como a aplicação de taxas sobre produtos importados (quebrando acordos de comércio internacional), sendo estas ideias transmitidas à população em conjunto com os malefícios da economia global. No entanto, estas ideias não consideram os benefícios da economia global (quanto todos cumprem as mesmas regras), como a universalização da informação e da oferta de bens e serviços que, caso contrário, apenas estariam concentrados em algumas economias;
- Ideias burocráticas como a promoção da alegada necessidade de nacionalizar todas as atividades económicas, sendo estas ideias transmitidas à população em conjunto com os malefícios das atuais regras económicas (erradamente apelidadas de capitalismo, já que existe muita intervenção estatal). No entanto, estas ideias não consideram os benefícios das atuais regras, tal como a inovação inerente à ideia de aumentar o património pessoal dos investidores (que tem originado, p.e., novos medicamentos e tecnologia); ou,
- Ideias liberais da esquerda radical como a promoção da liberalização de todos os comportamentos que hoje ainda não são permitidos em sociedade, sendo defendidas apenas com a ideia de que limitam a ação individual. No entanto, estas ideias não consideram a ordem social que é inerente à existência de limites comportamentais, ou o simples facto de que cada individuo tem de prescindir de parte das suas liberdades individuais para poder fazer parte de uma sociedade (com os direitos e deveres que isso acarreta).
Deste modo, considerando os riscos inerentes à generalização de ideias extremistas, julgo ser essencial que cada um de nós pense o que quer para o seu futuro e o dos seus filhos: uma sociedade preconceituosa e focada em esconder as reais soluções para os problemas existentes num estado democrático (o que pode mesmo resultar no fim do estado democrático); ou, uma sociedade democrática que seja o resultado (ainda imperfeito) da contínua evolução social que se conquistou ao longo dos séculos, baseada em ideias de igualdade de direitos, liberdades e garantias para todos?
Para terminar, julgo ser relevante relembrar que as principais crises sociais e humanitárias que se viveram na Europa do século XX, foram fruto de ideias extremistas que foram socialmente defendidas pelos partidos nazi (na Alemanha) e comunista (na União Soviética) e que resultaram no afastamento destas ideias até muito recentemente... Vale a pena voltar a cometer os erros do passado?