Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios
Começa a estar na ordem do dia a discussão sobre as vantagens e inconvenientes do Rendimento Básico Incondicional (RBI). O Rendimento Básico Incondicional corresponde a uma prestação social, igual para todos os cidadãos de um país, e suficiente para permitir uma vida com dignidade. É, pois, uma prestação que todos recebem desde o dia do seu nascimento até ao momento da morte.
Desde logo, se suficiente para permitir uma vida com dignidade, permitiria eliminar as enormes manchas de pobrezas existentes nas sociedades ocidentais. Esta é a sua maior virtude. Mas ela está dependente do valor fixado para o RBI.
A contrapartida do RBI pressupõe a eliminação de muitas outras prestações sociais, como o subsídio de desemprego, o abono de família, e até, no limite, as pensões de reforma asseguradas pelo Estado. Parte do RBI seria financiado por estes fundos que já são hoje despendidos.
Mas não só estas prestações seriam eliminadas como toda uma extensa burocracia que, hoje, as regula e administra. O RBI não precisa de grande burocracia, uma simples transferência para a conta de cada cidadão de um montante fixo é simples, direto e não precisa de uma equipa grande para o assegurar, sendo apenas necessário iniciar os que nascem e retirar dos ficheiros os que morrem. Nesta área teríamos grandes poupanças. Outra parte do RBI poderia ser financiado desta forma.
As pensões apresentam o maior problema. Dado que existem pessoas com direitos adquiridos em relação a pensões estatais de valor superior ao do estabelecido para o RBI então este só poderia ser introduzido de forma gradual para um numeroso grupo populacional. O gasto seria, neste caso, imediato mas a poupança apenas a prazo.
Vários países, com especial incidência no Norte da Europa (Holanda, Suécia, Finlândia, etc.) têm estudado, por vezes com testes-piloto, a problemática associada à introdução do Rendimento Básico Incondicional e qual o nível dessa prestação.
Um estudo (https://christianengstrom.files.wordpress.com/2016/09/basic-income-engstrc3b6m-2016.pdf) aponta para um patamar de 900€ para a Suécia para uma cobertura de todas as pessoas entre os 19 e os 65 anos. No caso sueco a introdução representaria cerca de 15% do valor do atual Orçamento do Estado, um valor bastante elevado que poderia ser financiado através das poupanças geradas com a eliminação de prestações em curso e da burocracia que as acompanha e da supressão das taxas de IVA mais baixas que hoje apoiam certas indústrias e serviços. E, no caso, propõem-se não tocar nas prestações relativas a pensões, a invalidez e ao abono de família.
Alguns, mais cínicos ou que plasmam nos outros a sua própria natureza, objetam dizendo que se assim fosse ninguém quereria trabalhar. Que muitos prefeririam viver do RBI e nada fazer o que, naturalmente, provocaria o desastre. As empresas sem trabalhadores deixariam de produzir, os serviços públicos encerrariam, os hospitais fechariam e a sociedade entraria rapidamente em colapso.
Outros mais otimistas garantem que mesmo com o RBI o ser humano continuaria a trabalhar por vários motivos: i) para aumentar o seu rendimento e, consequentemente, o seu nível de vida e o da sua família; ii) para garantir uma poupança que lhe permitisse viver melhor nos períodos de inatividade; iii) porque o ser humano precisa de se sentir útil à sociedade a que pertence. Neste caso a sociedade livre da pobreza entraria numa nova era, mais motivante para os trabalhadores que com maior segurança abraçariam as suas tarefas. A criatividade e a inovação encontrariam um campo mais largo para se afirmarem. O crescimento seria mais rápido e equitativo.
Esta é uma discussão de sim e não que não parece levar a lado algum. Os dois lados acreditam em pressupostos diferentes sobre a natureza humana e dificilmente serão demovidos com argumentos abstratos ou filosóficos.
A única forma de ultrapassar um impasse deste tipo é através de testes empíricos. Efetuar ensaios de âmbito limitado para determinar os resultados. Por exemplo está a terminar agora uma pequena experiência de dois anos na Finlândia em que milhares de pessoas desempregadas receberam incondicionalmente o RBI. Será agora necessário apurar quantas continuaram a procurar trabalho, quantos o encontraram efetivamente e comparar os resultados com os dos seus pares em termos de idade, género, habilitações e qualificações profissionais. Dados interessantes a explorar.
Naturalmente que é um teste limitado e que os intervenientes sabiam que seria limitado, mas apesar de tudo é um primeiro passo.
Seria muito importante que Portugal se associasse também a este experimentalismo, até porque a cultura de cada país é um elemento importante de análise, e promovesse em conjunto com a sociedade civil testes limitados no sentido de verificar qual a reação das pessoas a esta nova abordagem da segurança social.
Economista