Pedro Moura, Jornal i

Os países com maior índice de felicidade tendem a ter cargas fiscais maiores

Em recente visita a um amigo emigrado na Dinamarca, em meio a uma conversa sobre semelhanças e diferenças entre Portugal e o país dos Legos, estava eu a dada altura a queixar-me da carga fiscal em Portugal e de como a maior parte do valor que é produzido ou ganho é consumido pelo Estado sem que se veja grande proveito para o país disso.
O meu amigo contrariou esta minha opinião, alegando que é incompatível querer um Estado que providencie um conjunto alargado e com qualidade de serviços à sociedade, e simultaneamente querer que os impostos sejam mais baixo.
Dando o exemplo da Dinamarca, ele opinou que sim, funciona bem melhor que Portugal, mas que a carga de impostos é bem superior à portuguesa, e que talvez fosse esse o principal fator para que o país funcionasse melhor: mais recursos oriundos de impostos.

É um argumento de peso, mas senti que faltava algo nesta equação: mais dinheiro de impostos disponível não significa necessariamente um país que funcione melhor.

É uma discussão interessante, a relação entre o Estado que queremos (mais ou menos proteção social, mais ou menos infraestruturas e serviços públicos, etc, etc) e os Impostos que estamos dispostos a pagar.

A dada altura argumentei que o que me chateava não era necessariamente o pagar impostos: era pagar impostos e sentir que o dinheiro não era bem usado pelo Estado, ficando a sensação que se podia fazer bem mais e melhor. Ou seja, aventei a hipótese de que um euro de impostos em Portugal seria menos bem gasto que o equivalente imposto coletado em coroas dinamarquesas na Dinamarca. Sei que os portugueses são os melhores do mundo em muitas coisas (tantas!), mas sinceramente não creio que o sejam na utilização de dinheiros públicos (para benefício do país, claro está).

Essa conversa ficou-se por aí, mas fiquei com uma certa comichão mental sobre este assunto. Juntando o útil ao agradável (o útil é a resolução do enorme problema que sempre tenho sobre o que escrever para estas crónicas), fui escavar na net em busca de dados que de alguma forma me permitissem perceber melhor a relação entre impostos e a eficácia com que são gastos.

Depois de muitas cavadelas e bastantes minhocas, acabei por escolher duas métricas para comparar um conjunto de países:

- ‘Tax Burden % of GDP’ (algo como ‘carga de impostos enquanto percentagem do produto interno bruto), parte do índice composto ‘Economic Freedom Score’, da The Heritage Foundation (https://www.heritage.org/index/)
- ‘Happiness Score’ (algo como ‘indíce de felicidade’), uma métrica composta que tenta medir a qualidade pressentida de felicidade em cada país, do "World Happiness Report 2018", das Nações Unidas (http://worldhappiness.report/)

Tendo escolhido uma amostra de países europeus, que julguei adequados para uma análise comparativa minimamente fidedigna (ou seja, tentando não compara alhos com bugalhos), criei um gráfico que correlaciona estas duas métricas (Carga de Impostos vs Felicidade Pressentida). As cores identificam sub-regiões (Europa do Sul, Leste, Ocidental e Norte).


Gráfico 1 – Happiness Score vs Tax Burden % of GDP (tamanho de cada ponto representa o ‘Índice de Percepção de Corrupção, também do ‘World Happiness Report 2018’)

 

A observação deste gráfico permite retirar facilmente algumas conclusões:
- Os países do Norte e Centro da Europa têm índices de felicidade bastante superiores aos do Sul e Leste;
- Os países com maior índice de felicidade tendem a ter cargas fiscais maiores (exceções para Irlanda e Reino Unido). A tese do meu amigo de que mais impostos equivale a melhor sociedade ganha pontos aqui;
- No entanto há casos de países com cargas fiscais semelhantes com índices de felicidade bastante distintos (ver, por exemplo, Portugal, Polónia, Espanha e Reino Unido ou Itália, França, Bélgica, Áustria, Suécia e Finlândia). Neste caso ganha pontos a minha tese de que a capacidade de utilização de dinheiro de impostos não é igual em todos os países.

Há sempre que se ter em conta que correlação não é causalidade.
Concordo com o meu amigo, pois acredito que sim, que é necessário pagar impostos para ter uma sociedade de qualidade, que garanta um conjunto de serviços e estruturas à população e garanta liberdade, segurança e justiça. Tudo isto ajuda à Felicidade.
Mas também acredito que é necessário trabalhar-se no sentido de que os impostos sejam bem usados, e no fim deste exercício continuo também a concordar comigo: estou certo que em Portugal os impostos são mais mal usados que na Dinamarca.

Esta minha teimosia assenta na última dimensão de análise presente no gráfico acima: o tamanho de cada ponto representa um sub-índice do ‘Índice de Felicidade’: as ‘Perceptions of Corruption’, ou seja, a perceção, em cada país, do nível de corrupção existente (quanto menor a bolha maior o índice pressentido de corrupção). Salta à vista uma enorme diferença entre os países do Norte / Centro e os do Sul / Leste da Europa. Maior nível de corrupção significa menor eficácia na utilização de recursos.

A corrupção é um fenómeno melífluo, que não só mina o tecido económico e priva empresas, Estado e pessoas de recursos financeiros, mas que sobretudo cria hábitos abusivos e de negligência, em que o que importa é ficar-se com uma fatia maior da tarte, nunca aumentar o tamanho da tarte para todos possam ter fatias maiores.

O mais difícil de mudar será sempre a cultura, não os impostos. E é precisamente na ‘cultura’ (subjetiva que possa ser enquanto conceito pessoal e coletivo) que reside a grande diferença não só na capacidade de criar maior valor por unidade de imposto recolhido, mas sobretudo no índice de felicidade entre países.

Concluindo, havendo uma correlação positiva aparente entre impostos e índice de felicidade, fica a hipótese de o nível de corrupção ser um dos grandes responsáveis pela diminuição da capacidade de utilização de impostos para gerar mais bem estar à população de cada país.

Cá por Portugal, que bom seria sentir que a preocupação com a corrupção ocupasse pelo menos tanta atenção quanto os salamaleques de dirigentes de futebol ou apresentadores de televisão. Cada um tem o que merece? Talvez. Perguntem aos dinamarqueses.

Pedro Moura
Empreendedor & Executive Partner na Mapidea
mourax@gmail.com

 

Fontes:
- “2018 Index of Economic Freedom”, da The Heritage Foundation, https://www.heritage.org/index/)
- "World Happiness Report 2018", Nações Unidas, http://worldhappiness.report/
- Para a construção do gráfico foi utilizado o software Gapminder (https://www.gapminder.org/tools-offline/)
- No endereço https://drive.google.com/drive/folders/1zjcJqzOvCuY5QLHM0TqpzXVVcohrPtXz?usp=sharing podem ser encontrados os ficheiros com os dados de suporte, bem como uma página web para consulta interativa do gráfico.