Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

A gig economy, a economia dos biscates, alastra hoje para indústrias que até há pouco estavam ao abrigo da precarização. Paradoxalmente o nível crescente de escolarização contribui decisivamente para a precarização.

O maior nível educacional facilita a aprendizagem e reduz substancialmente o tempo de estágio necessário a que um trabalhador possa levar a cabo com eficiência as suas tarefas. Ao reduzir o tempo e, consequentemente, o custo de treino dos empregados, a educação, permite uma maior rotação de pessoal.

Simultaneamente uma divisão do trabalho cada vez mais minuciosa, precisa e detalhada apoiada numa organização, muitas vezes multinacional em que cada fase da produção dos bens e serviços se realiza num país diferente, reforça o carácter móvel das atividades e a precarização dos trabalhadores.

Acresce o quadro em que tudo se processa, regido nas grandes empresas, por um sistema informático que serve de espinha dorsal simultaneamente organizativa e produtiva, torna cada vez mais trabalhadores fungíveis, isto é, substituíveis por outros, dispensando a experiência, o conhecimento da tarefa, da empresa ou dos mercados. As instituições aprenderam a reter, incorporar e institucionalizar a experiência, os falhanços e sucessos, dispensando a memória humana.

Finalmente a explosão dos algoritmos que substituem o melhor especialista humano em trabalhos tão complexos como a análise de um complexo acórdão judicial ou o diagnóstico de uma doença rara. Há muito que os algoritmos batem sistematicamente os melhores humanos ao xadrez, um jogo de grande complexidade estratégica e tática. Em breve conseguirão gerir organizações.

Não surpreende assim que se encontrem valores elevados de precariedade transversalmente em praticamente todos os níveis educacionais, ao contrário do que no passado em que a precariedade se concentrava entre os menos qualificados.

Este desenvolvimento vem colocar desafios importantes na organização social, nas regras de acesso e financiamento aos direitos e prestações sociais.

O velho modelo está em decadência, mas não existe uma alternativa socialmente justa para o novo que aí se apresenta e que nos mostra a velha cara feia do capitalismo selvagem do século XIX em que os trabalhadores não possuíam direitos laborais, as convenções coletivas inexistentes, a saúde uma miragem e a reforma um sonho.

O novo modelo social da precariedade tem-se afirmado à custa de uma pobreza cada vez mais generalizada, sobrevivendo muito com o suporte de famílias que ainda se mantém no sistema anterior.

A segurança do trabalho não deixa de ser uma reivindicação legítima de todos os que trabalham por conta de outrem, mas teremos de encontrar novas fórmulas, que não a famigerada flexi-segurança que falhou rotundamente, de organização social que acomodem os anseios da maioria.