Nuno Gonçalves, Visão online

Quais são as implicações do aumento da informação e da capacidade analítica reveladas pela revolução digital para a política e execução fiscais? A digitalização pode melhorar significativamente a capacidade de execução fiscal. Os governos devem adaptar-se às novas formas de atividade económica geradas num mundo cada vez mais digital e que apresentam desafios para a mobilização da receita fiscal para países com níveis de tributação inferiores ou sem qualquer tributação.

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A revolução informática e o mundo digital estão a moldar a formulação e implementação da política orçamental, em particular da política fiscal, ao transformar o modo como os governos processam, recolhem e interagem com a informação.

Para a teoria da tributação ótima, no mundo ideal a informação seria completa e perfeita e os governos seriam capazes de verificar todas as características económicas dos contribuintes sem qualquer custo. Neste enquadramento seria possível recorrer ao uso de impostos lump-sum individualizados para a redistribuição da riqueza e para o aumento da receita fiscal e a evasão e elisão fiscais seriam impossíveis. Sabemos, contudo, que na realidade os governos atuam num ambiente de informação imperfeita, em que os agentes económicos podem omitir rendimentos, consumo, ou riqueza de modo a reduzir ou até eliminar a sua responsabilidade fiscal – as restrições na informação determinam as oportunidades para a evasão e elisão fiscais.

Para combater este tipo de problemas inerentes à evasão fiscal, as autoridades competentes possuem instrumentos como auditorias fiscais e a aplicação de penalizações. São identificados como determinantes da extensão da evasão fiscal a propensão ao risco por parte dos agentes económicos, o peso da penalização quando é identificada a evasão fiscal e a tecnologia inerente à execução fiscal.

Quais são então as implicações do aumento da informação e da capacidade analítica reveladas pela revolução digital para a política e execução fiscais?

A digitalização pode melhorar significativamente a capacidade de execução fiscal das autoridades tributárias ao aumentar a possibilidade de verificação do verdadeiro produto das atividades dos agentes económicos. Por exemplo, a digitalização facilita a relação da informação existente em várias partes do sistema de modo a melhor detetar casos de evasão fiscal. O caso do E-fatura em Portugal é um exemplo claro do benefício da digitalização neste campo: os consumidores atuam como terceiros na informação/validação do valor das vendas declarado por empresas de ramos de atividade específicos, ajudando a autoridade tributária a reduzir a evasão e fraude fiscal no IVA. Contudo, note-se que nas atividades económicas em que ocorre evasão e fraude fiscal há fortes incentivos a evitar as transações eletrónicas, pelo que a digitalização reduz apenas parcialmente a evasão fiscal se um grande volume de transações dos consumidores for feita em dinheiro vivo.

Ao providenciar uma melhoria na tecnologia subjacente à execução fiscal a digitalização permite aos governos ganhos de eficiência fiscais, podendo aumentar a receita fiscal mantendo as taxas de impostos.

As oportunidades emergentes da revolução digital para as finanças públicas não estão isentas de desafios e limitações. Os governos devem inteirar-se e adaptar-se às novas formas de atividade económica geradas num mundo cada vez mais digital e que apresentam desafios para a mobilização da receita fiscal para países com níveis de tributação inferiores ou sem qualquer tributação. Em Portugal tem-se discutido o imposto sobre serviços digitais, no âmbito da participação do país em grupos de trabalho da Comissão Europeia e da OCDE.

Os sistemas fiscais que prevalecem nos países desenvolvidos, especialmente no que diz respeito à tributação da atividade económica das empresas, pouco captam a realidade atual da economia global e dos modelos de negócios que geram riqueza através de serviços digitais num determinado país sem aí terem presença física. Este facto cria uma discrepância entre onde é obtido o lucro do serviço digital e onde os impostos são pagos. A digitalização da economia levanta assim sérios desafios à erosão da base tributária, que assenta primordialmente no principio da territorialidade, criando oportunidade de planeamento fiscal por parte das empresas devido às características deste modelo de negócios, com o objetivo de reduzir o pagamento de impostos.