Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
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Há mais de duas décadas, enfatizando o papel da tecnologia, os economistas concluiram que o comércio internacional beneficiava todos os trabalhadores. Nesta crónica sustento que esse consenso chegou ao fim e que se podem atribuir as recentes vagas populistas – Brexit, Trump, Le Pen e outros extremismos políticos – ao dano gerado pela globalização nos trabalhadores menos qualificados de países desenvolvidos.
Estes eventos populistas reacenderam o debate que ocorreu – e parecia resolvido – há mais de 20 anos. Acredito que se tivesse havido menos consenso entre economistas nos anos 90, mais poderia ter sido feito para mitigar os custos sociais da globalização.
A diminuição da procura relativa e, portanto, da remuneração dos trabalhadores menos qualificados na maioria dos países desenvolvidos, na sequência da abertura ao comércio internacional, pode ser entendida usando a teoria neoclássica de Heckscher-Ohlin. Esta teoria revela que, em cada país, ganham os detentores do fator relativamente abundante e perdem os detentores do fator relativamente escasso. Assim, nos países desenvolvidos ganham os trabalhadores qualificados e perdem os menos qualificados.
Os países especializam-se nos bens em que possuem vantagem comparativa; i.e., que, em autarcia, produzem de modo relativamente mais barato. Esses bens que, na sequência da abertura à troca internacional, observam uma melhoria do seu preço relativo são relativamente intensivos no fator relativamente abundante no país. Quando o preço relativo sobe, tal reflete um aumento da procura pelos indivíduos, i.e, um aumento da escassez relativa do bem. Este aumento, por seu turno, reflete um aumento na procura de fatores que entram na produção: para produzir mais do bem, aproveitando a subida de preço, os produtores utilizarão mais fatores, oferecendo maior remuneração. Ora quanto mais intensivamente um fator é utilizado na produção do bem, mais aumentará a sua remuneração relativa.
Assim se explica o ganho que, nos países desenvolvidos, a globalização gerou aos trabalhadores qualificados e a perda aos trabalhadores menos qualificados. Acredito que o peso político destes últimos, ou seja, o seu número, tem sido responsável pelas recentes vagas populistas.