Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios
Podia agora comprovar os resultados dessa extraordinária visão estratégica de Soares e companhia. Sorri, enchi o peito de orgulho e preparei-me para comprar português em terras de Sua Majestade.
Recentemente visitei a pequena, bonita, turística e estudantil cidade de Bath no Reino Unido conhecida pelos banhos romanos, pelas repetidas estadias da grande escritora oitocentista Jane Austen e pela excelente qualidade da sua universidade.
Aí tive ocasião de entrar num supermercado, o Waitrose, para comprar fruta. Ao olhar para as prateleiras com grande variedade de peras, maçãs, pêssegos, kiwis, laranjas, toranjas, bananas, anánases, tive um absurdo flashback e vi-me perante a televisão portuguesa de meados dos anos oitenta no momento em que vários políticos debitavam as múltiplas vantagens para a agricultura lusa que se abriam com a adesão à então CEE, e hoje União Europeia.
Entre os produtos que mais iriam beneficiar, pela sua qualidade ímpar, atestada pelos mais proeminentes agrónomos nacionais e, mesmo, internacionais, argumentavam estes políticos, encontravam-se a fruta e o vinho. Grandes perspectivas que então nos vendiam essas individualidades. Iríamos, competindo de igual para igual, inundar a Europa com a qualidade da nossa pinga e dos nossos frutos.
Podia agora comprovar os resultados dessa extraordinária visão estratégica de Soares e companhia. Sorri, enchi o peito de orgulho e preparei-me para comprar português em terras de Sua Majestade. Se bem que tivesse reparado que a nossa fruta andava algo arredia dos supermercados portugueses, a expectativa era que tal se devesse às lucrativas exportações que a não deixavam chegar ao mercado nacional.
Nas prateleiras das maçãs encontrei as Red Delicious dos Estados Unidos, as Kanzi da Nova Zelândia, as Opala da África do Sul, as Ambrosia e as Royal do Chile. Os preços na ordem das 4 libras (cerca de cinco euros) por quatro maçãs. Nem uma portuguesa.
Deasapontado, rumei às peras. Encontrei muita variedade, incluindo as Mini da Holanda, as Pequenas da Argentina e mesmo as simples peras da África do Sul. Os preços variavam entre 1,8 libras por meia dúzia e 3 libras por quatro peras de maior tamanho. Também aqui a nossa presença não se encontrava.
Ao passear nas linhas do supermercado fui-me dando conta de que a comida era basicamente importada. Vi alhos espanhóis, batatas americanas e israelitas, e até gengibre da China, mas nada de nada de Portugal.
Senti-me pesaroso. Seria possível que a nossa apregoada qualidade se afundasse e não conseguisse competir com produtos de países de fora da União Europeia? Para que entrámos afinal? Não era suposto que fosse para ter vantagem sobre os de fora? Não era para aceder a esses mercados que ansiavam pelas nossas delícias alimentares e que viam as barreiras alfandegárias barrar-lhes a entrada? Mas aí estavam os produtos vindos das quatro partidas do mundo que nos eclipsavam sem piedade nem respeito pela nossa conquistada vantagem de "estar dentro".
Desanimado, dirigi-me à secção dos vinhos. Aí, sim, devíamos estar bem representados imaginei ingenuamente. Pois bem. Secções inteiras com vinhos europeus: franceses, italianos, espanhóis, anunciavam os letreiros. Depois vinhos das Américas: chilenos, argentinos, americanos e outros. Do resto do mundo, a Austrália e a África do Sul estavam profusamente representados. Nenhum letreiro indicava a existência de vinhos portugueses.
Não me deixando abater percorri as várias prateleiras, uma a uma em busca de um rótulo português. Na zona dos vinhos espanhóis lá encontrei uma solitária garrafa de vinho verde da Quinta de Azevedo, um produto Sogrape uma empresa da família Van Zeller.
Mesmo países que pensamos em Portugal terem menos "tradição" vinícola como a Alemanha, a Húngria e outros tinham mais vinhos em exposição neste supermercado de uma pequena cidade inglesa.
A entrada neste supermercado foi muito ilucidativa sobre as reais vantagens da adesão de Portugal à CEE e das imaginárias desvantagens dos países que estão fora.