António João Maia, Jornal i
A eficácia da prevenção requer o desenho de estratégias e a adoção de instrumentos adequados ao fenómeno a prevenir. Requer que se conheça minimamente como ele se carateriza, ou seja, como se manifesta no terreno.
Praticamente todos os dias lá vem, numa capa de jornal ou na abertura de um telejornal, uma nova suspeição envolvendo nomes de pessoas e de instituições em alegados esquemas e negócios fraudulentos e obscuros, caracterizados sempre por beneficiarem interesses particulares (das pessoas) e prejudicarem os interesses coletivos (das instituições e da sociedade no seu todo).
Pode até alegar-se, com um simples e desresponsabilizador encolher de ombros, que o problema se apresenta semelhante noutros países, alguns dos quais muito próximos de nós (quer por razões geográficas, quer por afinidades culturais), e que, por isso, não haverá muito a fazer. “Não somos nem estamos piores do que os outros”. A corrupção torna-se por esta via numa espécie de fatalidade normal com a qual temos de saber conviver – e com a qual vamos convivendo, quer queiramos ou não.
Mas a fraude e a corrupção são problemas graves! E não acarretam só custos económicos e financeiros – o que por si só já é muito grave. O pior dos efeitos da fraude e da corrupção é o desgaste que é provocado sobre a confiança social das pessoas umas relativamente às outras e sobre as próprias instituições. E a confiança social é provavelmente o fator mais importante para a manutenção da coesão social.
Uma sociedade com baixos índices de confiança social é uma sociedade coletivamente fragilizada. É uma sociedade em que os interesses individuais se sobrepõem aos interesses coletivos. Em que no limite cada um procura unicamente a satisfação egoísta dos seus projetos particulares e se afasta de qualquer esforço de cooperação que contribua para alcançar projetos de interesse coletivo ou de terceiros. O individual sobrepõe-se e subjuga o coletivo.
Por isso é tão importante que os Estados não deixem de procurar e adotar soluções para controlar o problema. Para punir aqueles que praticam estes atos e para prevenir a sua ocorrência.
A punição, a jusante do problema, traduz essencialmente uma ação reativa das instâncias judiciais do Estado – Tribunais, Ministério Público e Órgãos de Polícia Criminal – no sentido de comprovar a ocorrência dos atos e a sua autoria, e de punir esses autores. É um controlo feito a posteriori, que é inequivocamente necessário. Mas, precisamente porque vem depois dos factos, tem sempre lugar em momento em que o equilíbrio e a paz social já foram de algum modo afetados.
A prevenção, a montante do problema, deve traduzir um conjunto de ações destinadas a evitar a ocorrências destas práticas. As instituições de controlo interno e externo sobre o funcionamento das estruturas de funcionamento da Administração Pùblica desenvolvem uma função de âmbito preventivo. A aposta na prevenção é importante. A eficácia da prevenção oferece e potencia maiores índices de conformidade da ação coletiva e da confiança social.
Todavia a eficácia da prevenção requer o desenho de estratégias e a adoção de instrumentos adequados ao fenómeno a prevenir. Requer que se conheça minimamente como ele se carateriza, ou seja, como se manifesta no terreno. E esses elementos de caraterização só podem ser conhecidos através da ação do aparelho punitivo, São as instâncias punitivas que lidam com os casos concretos de corrupção. São elas que tocam o fenómeno.
Todavia pouco ou nada de concreto se sabe do que seja a corrupção no dia-a-dia da sociedade, dos serviços e das pessoas. Conhecem-se simplesmente alguns contornos dos casos que são mediatizados e é a partir deles – desta espécie de amostra casuística feita por critérios jornalísticos – que se presume todo o resto. Por isso os estudos da perceção dos portugueses sobre a corrupção revelam que se trata de um problema que afeta sobretudo a classe política e os grandes negócios do Estado.
Mas será efetivamente assim? Só afetará este nível da sociedade? Não afetará outras instituições? Se sim, quais? E de que modo? Afetará igualmente todos os níveis hierárquicos das entidades onde é detetado? E quais as tendências de género ou de habilitações literárias associadas a estas práticas?
Simplesmente não sabemos as respostas para estas nem para outras perguntas.
Existe todo um conjunto de questões sobre o concreto do fenómeno para as quais não se conhecem respostas, apesar de se dispor da informação necessária nesse sentido. Simplesmente, por não estar devidamente arrumada e tratada, não pode ser estudada. Não se torna útil enquanto elemento de ajuda para o conhecimento dos padrões do fenómeno e depois, partindo deles, para o desenho mais ajustado de instrumentos preventivos.
Foi precisamente com este propósito de contribuir para ajudar a conhecer melhor o perfil do fenómeno da corrupção em Portugal que o Observatório de Economia e Gestão de Fraude apresentou, no âmbito do Orçamento Participativo Portugal, o projeto Mapear a Corrupção em Portugal.
Todavia, com o fundamento de configurar alegados “pedidos de apoio ou venda de serviços, designadamente por estarem protegidos por direitos de propriedade intelectual”, o projeto foi rejeitado, não lhe sendo por isso conferida a possibilidade de ser votado pelos cidadãos.
O mapeamento da corrupção é importante para ajustar e potenciar a eficácia dos instrumentos preventivos!