Rute Serra, Jornal i

Se, no plano da Administração Pública, a corrupção sobrepõe os interesses privados ao interesse público, na corrupção do desporto acresce a corrosão do puro prazer desportivo.

Por alturas de efervescência coletiva, estimulada pelo Campeonato Mundial de Futebol FIFA de 2018, que decorre por terras russas, adequado parece voltar ao tema dos fenómenos corruptivos, neste planeta vizinho que é o futebol.

Relembrar-se-á porventura o leitor, dos escândalos em que a organização deste evento, esteve envolvida, desde que em dezembro de 2010 a Rússia, por meios ainda ensombrados quanto à justiça, preteriu o Qatar e surge eleita para acolher o Mundial.

Este fenómeno de massas, como vulgarmente é designado, evoluiu, nas palavras de Álvaro Magalhães expressas num livro editado pela Assírio & Alvim em 2004, da “Idade do Prazer”, que corresponde à difusão internacional do jogo, passando pela “Idade da Razão”, que consistiu nas profissionalizações dos jogadores, até atingir aquela que é hoje a “Idade da Maturidade”, caracterizada pela inovadora textura empresarial das equipas de futebol.

Ao longo dos últimos anos, tem-se verificado um aumento exponencial da importância do futebol no produto interno bruto (PIB) dos países. Estima-se, aliás, que o futebol corresponde à sétima economia do mundo, constituindo cerca de 0,4% a 1% do PIB planetário. Em Portugal, este desporto contribui com 456 milhões de euros para o PIB e gera mais de 2 mil postos de trabalhos, considerando apenas os impactos diretos da Liga Portugal e das Sociedades Desportivas que participam nas suas competições.

Este relvado onde aceleram e escorregam milhões floresce propício à ação criminosa. Impelidos por uma crescente moral de êxito, que consiste na constatação dos baixos custos que estas práticas criminosas importam, em causa se colocam os valores associados à prática desportiva. Se, no plano da Administração Pública, a corrupção sobrepõe os interesses privados ao interesse público, na corrupção do desporto acresce a corrosão do puro prazer desportivo.

Veja-se, contudo, que o apetite por viciar resultados, a fim de satisfazer o coração, remonta a tempos atrasados. Nos jogos olímpicos de 338 DC, Eupolos da Tessália não hesitou em subornar três adversários de modo a sair vitorioso dos seus combates.
O que eventualmente mudou de lá até aos dias de hoje, foi porventura a distorção da ação criminosa motivada pela análise de custo benefício, o que significa que as medidas de combate à corrupção no setor desportivo, devem assentar na diminuição dos benefícios e no aumento dos custos diretos da ação, de forma a aumentar a probabilidade de se ser punido e diminuir a utilidade deste tipo de práticas para os seus perpretores.

A corrupção no futebol português é caracterizada por uma tendência comum no que respeita às ambições do agente ativo. Dos diferentes casos ao longo das últimas décadas: “Calabote” em 1959, “Penafielgate” em 1990, “Bolsos Limpos” em 1993, “Apito Dourado” em 2003, “Colmeia” em 2009, “Jogo Duplo” em 2016, até aos mais recentes escândalos ainda na memória recente de todos, certo é que o futebol tem muitas outras dores de cabeça pelas quais não pode culpar ninguém além de si mesmo, por se ter tornado um alvo de uma cultura de ganância.

Repensemos de que forma poderemos mitigar a impunidade do capital e o eco que faz ressoar na gestão do agora e sempre, desporto rei, a bem do salutar autêntico sentimento desportivo.