Carlos Pimenta, Visão online

Não podemos deixar de lastimar a estultícia reinante no bojo de uma iniciativa eventualmente interessante: o Orçamento Participativo.
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1.

Em Fevereiro fez um lustro após a realização de uma reunião de peritos da OCDE sobre a Convenção contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transacções Internacionais. O Observatório de Economia e Gestão de Fraude esteve presente, tendo apresentado uma comunicação.

A preocupação de informar e contribuir para uma opinião pública mais esclarecida e maximizar a transparência da nossa actividade faz com que essa intervenção esteja disponível no na página na Internet (obegef.pt), no Working Paper 25, acessível por qualquer um.

Se tal nos dispensa de referências detalhadas há alguns aspectos que convém reter:

  • Desde 2008 que há a obrigação legal de apresentar de dois em dois anos um vasto e cuidado apuramento estatístico relativo aos crimes associados à corrupção. Contudo passado este tempo as informações são muito parcas. Aliás se analisarmos o documento «O Ministério Público contra a Corrupção – Programa de acção» em que mais uma vez se refere que “a luta contra a corrupção como um dos objectivos estratégicos para o triénio judicial 2015-2018” (p. 6), o que se diz sobre “Assegurar a recolha, o tratamento e divulgação da informação estatística” (p. 9) aproxima-se de um conjunto vazio.
  • A corrupção é um conceito complexo que pode extravasar o âmbito das definições dadas no código penal e não é certo que tal vertente seja tida em conta, embora se pudesse revelar de grande utilidade.
  • «Apesar de em termos legislativos estarem criadas as condições legais mínimas para que o fenómeno de corrupção seja analisado e apreendido tanto no âmbito da prevenção, como da repressão, o certo é que as (…) instâncias formais de controlo não têm dado uma proficiente resposta que torne pública a realidade dos processos relativos à corrupção e crimes conexos»
  • A opacidade estatística «contribui para a estagnação da compreensão do fenómeno corruptivo, já que não fornece elementos informativos mínimos que possam servir de base para o estudo do mesmo, em que sejam avaliadas as vantagens/problemas de determinadas variáveis, sejam legislativas, organizacionais, ou outras».

O Observatório, tendo também como objectivo juntar forças com todos os que pretendem combater a fraude e a corrupção e dispondo nos seus associados diversos especialistas em variadas ciências (incluindo Matemática e Estatística) tem procurado, desde a referida reunião da OCDE contribuir para um apuramento estatístico destas realidades tão prementes no Portugal de Hoje.

 

2.

Desde então iniciou contactos com algumas instituições visando conjugar esforços para atingir os referidos objectivos estatísticos. Todos foram muito «simpáticos» ficaram de pensar sobre o assunto e até hoje nada em concreto, denotando uma lentidão cognitiva que estranhamos.

Para contribuir para um desbloqueio da situação resolvemos apresentar ao Orçamento Participativo o projecto de adequado tratamento estatístico da corrupção, esperançados que os votos de quem quotidianamente sente as consequências desse ignóbil comportamento dessem força para a sua concretização. Assim apareceu a proposta “Mapeamento da corrupção em Portugal” (https://obegef.pt/wordpress/?p=35552).

Tal projecto foi liminarmente rejeitado na fase anterior à votação com as seguintes justificações:

  • “configura pedidos de apoio ou venda de serviços” como se a verba solicitada (entre 50 e 300 mil euros) para um trabalho gratuito (é verdade, gratuito) de diversos especialistas, deslocações e estadias durante diversos anos justificasse tal conclusão; aliás esta apreciação só pode ser de quem não conhece os regulamentos do orçamento participativo porque a gestão financeira é feita por uma instituição pública.
  • “designadamente por estarem protegidos por direitos de propriedade intelectual”, o que não faz qualquer sentido neste contexto.
  • Após o pedido de justificação que solicitamos foi encontrada outra justificação lacónica: “foi apresentada por pessoa colectiva”, apesar de também conter como proponentes o nome de três dos seus associados.

 

3.

Perante estes factos deixamos algumas perguntar ao leitor:

  • Propor a montagem de um sistema permanente de recolha de informação sobre a corrupção de forma a melhorar um seu conhecimento, detecção e prevenção não tem qualquer interesse para o futuro do País e o Observatório é incapaz de o vislumbrar?
  • A recusa da proposta é o simples resultado de uma miopia burocrática?
  • A «simpática inoperatividade» de alguns será o resultado da sua incapacidade de perceber que todos nós sabemos pouco perante o muito que a luta contra a corrupção exige e que a conjugação de esforços interdisciplinares a todos beneficia?
  • Ou será porque têm receio que esse diálogo corresponda ao que pensam ser uma perda de poder institucional?

Será «só (?!)» isto?