Jorge Fonseca Almeida, Negócios


Todas as grandes empresas têm uma geração fundadora, aquela que lançou o projeto, criou do nada um empreendimento, mobilizou vontades, canalizou vontades e construiu uma obra duradoira.

Este trabalho coletivo fecundo plasma-se com o tempo numa cultura forte de traços bem definidos que saudavelmente passa para as vagas posteriores de gestores e colaboradores, sendo muitas vezes referida como o traço identificativo da empresa o seu ADN.O problema surge quando as empresas não sabem ou não conseguem preservar essa herança e se entregam a exercícios de mudanças culturais sem sentido ou lógica. Muitas de multinacionais dinâmicas, com interesses nas várias partidas do mundo, transformam-se em meras sucursais de grupos estrangeiros, engolidas por corporações maiores.Perdido o rumo estratégico, e o querer autónomo, a empresa procura abrigar-se no manto de acionistas poderosos que lhe transmitam a sua orientação e a sua vontade. De polo de decisão transforma-se em polo de execução.

Vem isto a propósito da saída na próxima Assembleia Geral dos últimos representantes da geração fundadora do BCP da administração deste banco e a formalização do domínio do conglomerado chinês Fosun, com sede em Shangai e com interesses nas áreas da saúde, do entretenimento e da finança.

A Fosun foi fundada pelo visionário Guo Guangchang, hoje um dos homens mais ricos do mundo, listado entre os 500 mais abastados do planeta, apesar da sua proximidade com o poder político de cariz socialista da República Popular da China. Nascido em 1967, tem 50 anos, mas ocupa apenas o lugar de chairman deixando o cargo de CEO para Wang Qunbin outro dos fundadores da Fosun.

Estamos então perante uma empresa que ainda se encontra na fase em que os fundadores prosseguem a sua obra, procurando os mais experientes abrir caminho aos mais novos, por forma a manter os valores e as práticas que geraram o sucesso. A relativa juventude de Guo Guangchang assegura que essa transição se fará com suavidade e sem sobressaltos. São boas mãos para dirigir o antigo grupo financeiro português.

Os trajetos diferenciados das duas empresas explicam, em grande medida, porque é que uma não sobreviveu à geração fundadora e a outra prossegue a sua expansão internacional.

Admiráveis as empresas que persistem no tempo. Não resisto a citar Éric Vuilard na sua obra "A Ordem do Dia", vencedora do Prémio Goncourt de 2017, sobre uma empresa que soube resistir a muitas tormentas "a companhia Opel é já uma velha senhora. Hoje, não passa de um império incorporado noutro império e tem uma relação apenas muito longínqua com as máquinas de coser do velho Adam. E, se a companhia Opel é uma anciã muito rica, ela é, contudo, tão velha que quase já não reparam nela, tornou-se parte da paisagem. É que agora a companhia Opel é mais velha do que numeroso Estados, mais velha que o Líbano, mais velha que a própria Alemanha, mais velha do que a maioria dos Estados africanos, mais velha do que o Botão, onde, no entanto, os deuses se eclipsaram nas nuvens".

Estas três diferentes histórias constituem, aliás, excelentes case-studies para outras empresas portuguesas em que a geração fundadora se confronte com a inevitável sucessão. Para que possamos também ter empresas, públicas ou privadas, que atravessem gerações e não colapsem à mais pequena crise.

Economista