Nuno M. Guita & Gilda Lopes, Visão online

Segundo o Eurobarómetro de Outubro de 2017 [1], há a percepção de que as empresas portuguesas que não tenham ligação a políticos (boas graças) são prejudicadas na condução dos seus negócios! Será o sucesso das empresas portuguesas vulnerável a simpatias políticas?

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85% dos inquiridos nesse estudo entendem existir corrupção nas instituições públicas portuguesas. O impacto negativo que os actos de corromper e ser corrompido têm no desenvolvimento económico, social, politico e reputacional do nosso país, é tão grave quanto a generalizada (85%) consciência de que existem e fazem parte do “way of doing business” em Portugal. Ora sobre os eventuais ganhos que as empresas com estas ligações, têm, pouco sabemos. Mas, se 67% dos inquiridos atribui o sucesso das empresas portuguesas sobretudo ao favoritismo politico ou de políticos, então temos uma questão estrutural sobre a capacidade lusitana de sucesso das mesmas. Que sucesso é este? Será que os ilustres números de algumas empresas são “fantochadamente” gloriosos? A que custo?

Em “Os Donos de Portugal – Cem Anos de Poder Económico (1910-2010)” (2010), os autores aprofundaram as ligações económicas dos políticos e concluem que uma parte significativa dos ministros e secretários de Estado (115) desde os anos 70 teve ligações a grandes polos económicos portugueses após a sua saída de cargos políticos. Sendo evidente o empenho marcadamente ideológico da publicação supramencionada, a mesma não deixa de merecer atenção generalizada. A isenção na participação económica em negócios de Estado, por parte dos titulares de cargos políticos, tem vindo a ser amplamente tematizada por todos os quadrantes partidários – o que reflete uma esperançosa evolução da ética política!

Empiricamente falando, podemos transpor esta relação política e económica, para a teoria do agente de Jensen e Mackling (1976). Nesta, define-se a relação assimétrica entre um representado (Principal) e um representante (Agente) como um contrato em que uma das partes (o principal) emprega a outra (o agente) para desempenhar algum serviço em seu nome e que envolve uma delegação de autoridade ao agente. É então nesta relação que podemos assistir ao facto de o poder politico “dar uma mãozinha” a empresas através de influências e facilitação de acessos. Mas também temos empresas a “dar uma mãozinha” a políticos, patrocinando campanhas politicas e admitindo-os em altos cargos de administração privada, entre outros. São comuns as queixas de baixa remuneração dos responsáveis políticos da nação…

É evidente que as organizações são influenciadas pelo ambiente social em que se inserem e, pressupondo que as decisões são tomadas no interior das mesmas, estas devem sempre ter em consideração o lugar onde estão, nomeadamente, os seus centros de decisão.

Assim, as organizações que recorrem a mecanismos políticos, mesmo que lícitos, utilizam-nos para influenciar o cenário económico externo, propiciando e perpetuando situações do seu interesse. Ao fazê-lo, as empresas modificam o seu ambiente externo com o objetivo de conquistar um posicionamento mais vantajoso [2] .

Neste contexto, quase podemos dizer que a chave para a sobrevivência empresarial reside, em parte, na capacidade de adquirir e manter proximidade política. Deste modo, as empresas são levadas a formar determinadas alianças politico-estratégicas, com o objetivo primordial de se manter competitivas.

Os actores políticos, por seu lado, conhecem as necessidades das empresas de suavizar a carga fiscal e têm acesso a informações que permitem a realização de transações, com objetivo de legitimar e fazer uso de estratégias que reforçam a sua credibilidade e dependência.

Os benefícios dessas ligações podem ter impacto de diversas formas, nomeadamente, a diminuição de impostos, o tratamento diferenciado em concursos e outros contratos com o Estado, a monitorização regulatória menos exigente ou meticulosa, entre outras.

Porém, as mudanças operadas no ambiente externo tornam-no crescentemente mais exigente para com os processos de tomada de decisão das organizações. O bom Governo das Sociedades (Corporate Governance) vem estabelecendo também uma estrutura através da qual são fixados os objetivos da empresa e são determinados e controlados os meios para alcançar esses objectivos [3].

Vem-se defendendo a gestão de topo (conselho de administração) das organizações como o núcleo de definição, por excelência, de toda a cultura organizacional. A gestão de topo deve instituir e não contornar as boas práticas de Corporate Governance. Sendo estas entendidas como o conjunto de regras e condutas relativas ao exercício da direção e controlo das sociedades, devem as mesmas contribuir para a optimização do desempenho e, assim, favorecer todos que têm interesses envolvidos na atividade da empresa – trabalhadores, investidores e fornecedores, entre outros, num espírito de boa gestão e Compliance. Quando olhamos para o exemplo de uma qualquer empresa em crise, está em questão, nada mais nem nada menos, o que ora se vem discutindo!

O que, não raramente, algumas organizações parecem não entender é que o “namoro” com políticos é muito instável e dependente de vontades difusas que não são por eles controladas (como em todas as relações da vida). Ou seja, como explicar a um CEO que a sua empresa é muito mais competitiva se este apostar nos seus trabalhadores, em vez de nuns almoços e jantares para criar “acessos”, quando, por vezes, décadas de experiência comprovam o contrário?

A resposta está ainda por encontrar. Todavia, pelos estudos teóricos que vão surgindo e vozes como o OBEGEF, que nos deixam a pensar sobre a cultura política e empresarial portuguesa, surge, pelo menos, a preocupação e, com ela a esperança, de melhorar as intrincadas dinâmicas descritas. Refletir sobre o sucesso destas relações escondidas atrás de um guardanapo, transparência e corrupção de empresas lusas é, sobretudo, preocuparmo-nos com o futuro. E esse “inevitavelmente, chegará”! Se somos um país de empresas politicamente corruptas, não sei! Mas que 80% dos inquiridos pelo Eurobarómetro concordam que somos um país com uma cultura empresarial corruptiva é um facto – e isso a mim incomoda-me, sobretudo, porque podem ter razão!

 

NOTAS

[1] http://ec.europa.eu/commfrontoffice/publicopinion/index.cfm/ResultDoc/download/DocumentKy/82034

[2] Pfeffer, Jeffrey; Gerald, R. Salancik (1978). The external control of organizations: a resource dependence perspective

[3] OCDE. (2004) Principles of Corporate Governance