Pedro Moura, Jornal i online
Quem espera ter uma ideia, criar uma 'startup' e ter a papinha toda feita, não é empreendedor
Um dos objetivos, entre outros, seria o de permitir aos membros do governo ouvir os comentários e sugestões dos empreendedores presentes, por forma a ter uma melhor noção da realidade concreta do que se passa no terreno. Tudo muito normal, tudo muito razoável.
Confesso que já andando por estes meios há alguns anos, e mesmo tendo uma atitude geralmente pouco dada a esperar grande coisa deste tipo de eventos, foi com surpresa pessoal que saí deste encontro surpreendido pelo que ouvi.
Bem sei que Roma e Pavia não se construíram num dia, e que o nível de maturidade deste nosso 'ecossistema' está mais para os lados da adolescência que da idade adulta. É normal que assim seja, num país com uma cultura intrínseca pouco dada ao risco e à iniciativa empresarial, e em que os processos de desenvolvimento e educação no seio familiar e no sistema escolar são, com poucas exceções, mais orientados para gerar uma mistura equilibrada de funcionários cumpridores e espertalhões que sabem 'jogar no sistema', que empreendedores destemidos. Mudar isto leva tempo (e muita dor de cabeça de quem ousa tentar).
Mas, voltando ao contexto inicial do tal encontro, não esperava o que encontrei.
Em dezenas de intervenções dos empreendedores a tónica geral (larguíssima maioria) foi a de 'aproveitar a ocasião' para pedir ajuda ao governo. Ajuda para que as suas startups tenham sucesso. Mas uma ajuda bastante interventiva.
Ouvi ideias maravilhosamente apetecíveis, desde o criar 'programas' em que o Estado fosse compelido (forçado) a comprar os produtos e serviços das startups, passando por 'programas' em que o Estado compelisse (forçasse?) as empresas privadas a comprarem mais às startups portuguesas, até 'programas' de incentivos fiscais às empresas que comprassem às startups. Portanto, 'programas', e a maravilha de um mercado que esteja de braços (e carteira) aberta à espera das maravilhosas startups. Mais ideias peregrinas houve, mas para falar do caso bastam estas.
Epá (e apeteceu-me sinceramente escrever esta interjeição), eu ando a criar startups já há alguns anos e para muitos até parecerá mal eu vir para aqui 'falar mal' do 'ecossistema'. Mas para mim quem espera ter uma ideia, criar uma 'startup' e ter a papinha toda feita, não é empreendedor, e não tem uma startup, não faz parte do meu 'Ecossistema'. Melhor, não quero ser confundido com estes 'wannapreneurs', e é nesta qualidade que escrevo esta crónica.
Acredito que não tenha sido por mal que estas ideias foram colocadas perante o PM e restantes governantes. O que não retira gravidade ao tema. Como referi acima, a cultura é o mais difícil de mudar numa pessoa e numa sociedade. Não vai lá com leis ou 'programas'. Vai lá com exemplos, com bater com a cabeça contra as paredes (têm de ser muitas paredes), com o ser capaz de ter sentido crítico e aprender.
Um startup é uma empresa, e como qualquer empresa o principal objetivo é criar produtos e serviços que o mercado queira e vendê-los. Não esperar que o mundo (ou o governo, que para o caso parece bastar) reconheça auto-magicamente o brilhantismo da startup e desate a comprar (ou a arranjar/forçar quem compre) os seus produtos e serviços em grande escala.
O governo não deve ter nada a ver com isto, não é sua função base suportar a atividade empresarial privada. Até porque quando isso acontece (e acontece, direta ou indiretamente, mais vezes que o desejável) há uma coisa fundamental que se perde: liberdade. E se há característica que eu acho todos os empreendedores / empresários devem (deveriam...) ter é uma paixão intransigente pela sua liberdade, por não terem de medir continuamente a suas ações e palavras com receio de forças que mais que os possam prejudicar, possam deixar de os beneficiar.
O mediatismo que o tema do empreendedorismo ganhou trouxe muitas coisas boas, a nível nacional e internacional. Mas tal como tudo o que é demasiado mediático o risco de corrupção e aproveitamento é também grande.
Para concluir uma palavra de apreço para quem realmente faz parte da construção deste nosso 'ecossistema de empreendedorismo', aqueles que batalham todos os dias pela sua ideia, pelo seu projecto. Aqueles que ousam arriscar, falhar, aprender e recomeçar, sem estarem permanentemente à espera que lhes metam a mão por baixo. Aqueles que mesmo atulhados em problemas e sem tempo, ainda conseguem uns momentos e usar a sua experiência (sobretudo de erros) para ajudar outro empreendedor. Aqueles (e aquelas, para satisfazer a trupe do politicamente correto) que investem mais em ganhar clientes e criar empresas rentáveis que em ganhar karma points no facebook. Mesmo tendo a perfeita noção que o mais provável é falharem e no final nem uma palmadinha nas costas receber.
Se fosse fácil seria para os outros, para os pedinchões.