Óscar Afonso, Público

 

A educação é seguramente a maior fonte de capital humano de um país e é, por isso, um dos principais motores de crescimento e desenvolvimento económico. Independentemente do “fornecedor/formador”, público ou privado, é um bem público no sentido em que é não-rival (o mesmo conhecimento pode ser usado por diversas pessoas ao mesmo tempo) e não-exclusivo (é impossível impedir que alguém utilize conhecimento transmitido).

Há sempre uma grande discussão em torno da questão da adequação da rede de ensino superior às necessidades do país. Mas não é esse o principal objectivo desta crónica, que passa sobretudo pela análise das principais diferenças entre o ensino universitário público e o ensino universitário privado. Neste processo, atendo particularmente a valores médios (qualidade média dos estudantes, dos professores e das instituições) e aos conteúdos programáticos leccionados nos diversos ciclos de estudos.

Claramente, em termos médios, os estudantes da universidade pública são melhores e mais comprometidos com o desejo de saber. Foram melhores estudantes no ensino secundário, escolheram em primeiro lugar os cursos, logo os melhores cursos, e apresentam-se, portanto, mais motivados; em suma, são mais profissionais. E porque escolhem eles cursos na universidade pública, mesmo sabendo que, sendo melhores e estando dispostos a estudar mais, provavelmente, terminarão o ensino superior com média inferior à de colegas do ensino universitário privado? A resposta é obvia, porque a universidade pública é incomparavelmente melhor! Não creio, pois, como muitas vezes se diz, que o ensino universitário público seja apenas para as supostas “elites”, penso sim que é, em primeiro lugar, para os melhores.

Para além de ter, em média, os melhores alunos, a universidade pública tem também, em média, os melhores professores. Professores que não se limitam a reproduzir conhecimento estandardizado, muitas vezes ultrapassado, obsoleto, mas que se actualizam, que investigam, que geram novo conhecimento, que debatem e partilham novas descobertas com os pares situados em locais distintos do seu, seja por brio profissional, seja porque a progressão na carreira assim o exige, ou seja ainda porque são estimulados pela qualidade média dos estudantes. Para quem dúvida de mim deixo apenas a seguinte questão: porque será que os professores do ensino universitário público não estão dispostos a mudar para o ensino universitário privado e o contrário acontece?

Se a entrada de novo conhecimento procede maioritariamente da universidade pública por professores comprometidos com a investigação e com o ensino a estudantes exigentes de conhecimento, os conteúdos programáticos estão, nestas instituições, por natureza em permanente actualização e interrogação. Como o mercado reconhece, é efectivamente a universidade pública que fornece as competências que os alunos necessitam numa economia moderna.

Neste contexto, face à posição registada, é evidente que a universidade privada tende a desvalorizar os rankings existentes, com a lógica de que as métricas utilizadas – usualmente baseadas na qualidade da investigação e na empregabilidade – não fazem sentido. Mas então que métricas farão sentido?!

Não é a investigação a fonte do novo conhecimento? Claro que é! Há quem chegue ao ponto de afirmar que a obsessão pelas publicações em revistas científicas internacionais, indexadas, como medida de investigação, leva a que os professores deixem de se preocupar com a qualidade na transmissão do conhecimento e se isolem. Mas como se pode transmitir novo conhecimento se não houver envolvimento com a investigação? Tenho para mim que é impossível entender certos mecanismos, que conduzem a resultados, sem pelo menos haver algum envolvimento com a investigação. E, também ao contrário do que é dito, a investigação em vez de isolar em cativeiro ou em regime de clausura possibilita a interacção à escala mundial. Neste contexto, esse tipo de afirmações sugerem-me o desconforto de quem as profere como a obrigatoriedade de investigar, seja por incapacidade, seja porque, de facto, dá imenso trabalho sem remuneração visível. Tenho para mim, portanto, que a um professor universitário deveria ser exigida a obrigação de, permanentemente, estar envolvido na investigação, como forma de gerar e entender o novo conhecimento, e de expandir a sua visão, pois só assim será capaz de transmitir correctamente esse conhecimento e de interagir com os pares situados noutros locais.

Quanto à empregabilidade, pergunto: não é um indicador da adequação da oferta formativa às necessidades do mercado? Creio que é o melhor indicador. Tal como uma empresa que produz para stock vai à falência, também uma instituição de ensino superior que “produza” desempregados deverá redimensionar-se, no limite falir.

É comum ouvir-se que muitos dos diplomados pelo ensino superior privado nas últimas décadas ocupam hoje lugares de destaque em empresas e organizações, e em muitas áreas da sociedade. É verdade! Sobretudo na administração pública que, cegamente, atende exclusivamente às médias de curso e assim ajuda quem optou por um percurso de menor exigência e o concluiu com médias superiores às do ensino público até porque foi também favorecido pelos professores, que deram um jeitinho e lhes subiram as médias. Efectivamente, a percepção existente é que, comparando as escolas públicas com as privadas, em média, estas últimas tendem a beneficiar quem as frequenta. Há quem diga até que, na universidade privada, professores exigentes acabam dispensados. Seja como for, a verdade é que ainda assim há muitos mais diplomados pelo ensino superior público que, devido ao muito mérito, ocupam lugares de destaque na sociedade portuguesa e em instituições internacionais.

E como se justifica o preconceito existente por parte dos melhores estudantes, dos pais e até do próprio mercado de trabalho sobre a formação dos estudantes oriundos da universidade privada? Existem, naturalmente, excelentes estudantes, professores e instituições na universidade privada, mas, em termos médios, a percepção existente aponta para um enorme gap qualitativo face à universidade pública.

A universidade é, e deve continuar a ser, um espaço de investigação, de criação de conhecimento, de transmissão desse conhecimento novo, de dinâmicas de intervenção, de partilha, como acontece na generalidade da universidade pública e não um local de formação que lembra o ensino secundário, nem um negócio!

Óscar Afonso – Presidente do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude