António João Maia, Jornal i online

Só há corrupção se o agente assim o entender. Afinal de contas é ele que tem a capacidade e o poder para decidir sobre as suas ações.

Os actos, quaisquer actos, sejam eles quais forem, ocorrem sempre num determinado contexto. Apresentam um circunstancialismo próprio que os enquadra e explica.

O conhecimento do quadro circunstancial de ocorrência de um qualquer acto, ou seja, a procura de explicações para o sucedido, decorre simplesmente da resposta às seguintes questões: Onde? (lugar onde ocorreu); Quando? (tempo em que ocorreu); O quê? (que facto ocorreu); Como? (modo da ocorrência); Porquê? (razões explicativas da ocorrência). E quando esses actos têm a envolvência do homem, acrescentamos uma sexta questão: Quem? (quem está envolvido na ocorrência).

As práticas de actos de corrupção, que são as que verdadeiramente aqui nos interessam, envolvem pessoas. Estão associadas a homens e mulheres. São actos praticados por seres humanos que, independentemente do local e momento em que ocorram, das circunstâncias que os caracterizem e dos efeitos que causem, têm um elemento em comum – são contrários às normas e às expectativas de vida em sociedade. São contrários ao que todos nós aprendemos e por isso acreditamos ser a normalidade. Por outras palavras, são actos que contrariam os pressupostos e as regras da sã vivência colectiva. São desonestos! São uma desonestidade para com os outros membros do grupo!

Por outro lado, os actos de corrupção apresentam dois factores determinantes, que são a Oportunidade e a Vontade do agente (Disponibilidade e Querer) para o praticar. Eles só ocorrem na medida em que esses dois factores se conjuguem. Por isso quando procuramos conhecer as circunstâncias caracterizadoras da ocorrência de actos de corrupção (que é afinal a tarefa confiada aos órgãos que desenvolvem a investigação criminal – o Ministério Público coadjuvado pela Polícia Judiciária) estes dois factores também estão necessariamente presentes.

Só há corrupção se existir oportunidade para isso e se o agente – aquele que pratica o acto – decidir nesse sentido. E podemos dizer mais, no limite só há corrupção se o agente assim o entender. Afinal de contas é ele que tem a capacidade e o poder para decidir sobre as suas ações.

A oportunidade relaciona-se claramente com a função que se exerce. Na maior parte das situações – porque estamos a falar do crime de corrupção (sim, a corrupção é um crime!) – identificamos uma função pública, uma função realizada no âmbito de um serviço público. E qualquer funcionário de um qualquer serviço público tem o seu quadro natural de oportunidades, que decorre das funções que exerce. A oportunidade é por isso a determinante objectiva que tem de se verificar para que o acto ocorra.

A vontade relaciona-se com a pessoa que exerce essas funções. Com a sua capacidade para equacionar e racionalizar sobre uma determinada situação. No caso da corrupção, admite-se que o raciocínio possa compreender algo do tipo: o que posso ganhar “versus” o que posso perder pela opção pela prática do acto corrupto. Encontramos neste âmbito vertentes tão importantes como a percepção de impunidade ou a possibilidade de não ser detectado e, correlativamente, de não vir a ser punido. Também podemos encontrar aqui com alguma facilidade a presença da auto-desculpabilização e auto-justificação, com argumentos do tipo: outros com mais responsabilidades também o fazem e nada lhes sucede; outros fazem bem pior; ou ainda o salário que recebo é insuficiente para a minha função e responsabilidade, de entre outros. Mas encontramos sobretudo aqui um elemento que tem uma importância fundamental que é o da Integridade. Na realidade se o índice de Integridade for suficientemente forte – se os valores da cidadania e de uma sã vivência coletiva estiverem suficientemente interiorizados –, será desde logo a consciência do agente a recusar-se a optar por este tipo de soluções. Quando a Integridade é menor, bem… é o que se tem visto e lido praticamente todos os dias um pouco por toda a comunicação social. A vontade é a determinante subjectiva e é, das duas, a de maior peso.
Na realidade para haver corrupção tem de existir uma oportunidade para que tal suceda, mas esse acto de corrupção só terá lugar se o agente (o funcionário dos serviços públicos) tiver essa determinação. Se tiver esse querer. Se decidir nesse sentido. De outro modo e por muito evidente e até apetecível que a oportunidade se apresente, não ocorrerá qualquer acto de corrupção.

Neste ponto questionar-se-á, o que se pode fazer para contrariar estas determinantes? Como se podem prevenir as oportunidades e também as opções conscientes decorrentes de menores índices de Integridade?

A prevenção sobre o factor Oportunidade faz-se através de adequados instrumentos de gestão e mapeamento de áreas de risco e da adopção de adequadas medidas preventivas e de controlo sobre o exercício de todas as funções de natureza pública.

E a prevenção sobre o factor Vontade, designadamente sobre os índices de Integridade, faz-se através de adequados programas educativos. Através da educação para a cidadania. Esta vertente é fundamental numa qualquer Sociedade que pretenda manter ou incrementar os índices de coesão social em torno dos valores colectivamente partilhados.

Num tempo em que o quadro de valores sociais parece estar em mudança e em que parecem existir sinais de crise nalgumas instituições fundamentais da Sociedade, como a família, a aposta no fortalecimento do sistema formal de ensino – a Escola – parece ser uma força de contrabalanço capaz de promover e aprofundar a cidadania, a responsabilidade, a honra, o carácter, a capacidade de partilhar, em suma, a Integridade.