Rute Serra, Visão online

A ocorrência potencial de cenários fraudulentos é equivalente à dimensão dos valores contratuais envolvidos e à discricionariedade do recurso excessivo ao procedimento de ajuste direto.
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O sector da saúde é o que maior volume financeiro, ao nível da contratação pública, importa, em Portugal. Tal é a conclusão possível, retirada da análise ao Relatório da Contratação Pública em Portugal – 2016 (ed. de novembro de 2017), o último disponível no Portal BASE: contratos públicos online - plataforma que agrega a informação disponível, sobre esta atividade do Estado, em sentido lato. Aquele documento apresenta um Top 10, onde figuram as organizações que representaram 80,4% da despesa pública com contratação. Daquelas, cinco são hospitais “EPE”, a saber, entidades públicas empresariais.

A constatação óbvia que se segue a esta asserção, prende-se necessariamente com o potencial risco de fraude, passível de se verificar – entenda-se a expressão no contexto de um espectro alargado, que vai desde o desperdício, simples erros, passando por abusos, até ao cometimento de atos com relevância penal -  naquela atividade.

A ocorrência potencial de cenários fraudulentos é equivalente à dimensão dos valores contratuais envolvidos e à discricionariedade do recurso excessivo ao procedimento de ajuste direto (os procedimentos por ajuste direto estiveram na base de 92,4% dos contratos celebrados em 2016, correspondendo a 47,2% dos montantes contratuais).

Da necessidade de alinhamento com o teor das Diretivas Europeias de Contratação Pública, resultaram as recentes alterações ao Código dos Contratos Públicos (CCP), em vigor desde janeiro do corrente ano. Destas, destacamos a introdução de um regime simplificado para serviços de saúde de valor superior a 750 mil euros, a obrigatoriedade da divisão em lotes, com possibilidade de limitar a adjudicação de um número de lotes, o estabelecimento como “critério regra” para adjudicação, a proposta economicamente mais vantajosa, em detrimento daquela que evidencie o preço mais baixo, ou mesmo a colocação de um preço máximo no concurso, ultrapassando-se deste modo, a obrigação de o submeter à concorrência.

Também a nova figura do “gestor do contrato”, ao qual é acometida a obrigação de “(…) acompanhar permanentemente a execução do contrato” (cfr. nº 1 do artigo 290º-A do CCP), pode e deve significar um ativo de eficácia, relativamente ao cumprimento das regras procedimentais. Este deve, desde logo, elaborar indicadores de execução (quantitativos e qualitativos) adequados a cada tipo de contrato, comunicando, ao órgão competente, em relatório fundamentado, desvios encontrados, com proposta de medidas corretivas.

Todavia, estas e outras alterações legislativas serão despiciendas, no que à temática do combate à fraude concerne, caso não sejam complementadas com uma definição inequívoca, a cargo de todas as entidades envolvidas – da gestão de topo aos funcionários – das medidas e respetiva monitorização, relativas ao ciclo antifraude: existência de sólida estrutura ética organizacional, mensurável através de um robusto sistema de controlo interno, adequadas políticas internas de prevenção, mecanismos eficientes de deteção de comportamentos fraudulentos e iniciativas de recuperação de perdas (nas vertentes corretiva e repressiva), numa lógica assertiva de responsabilização e accountability.