Tiago Marcos, Visão online
Para proteção da sociedade em geral, impõe-se que sejam criados mecanismos de implementação e aplicação obrigatória dos códigos de ética, de conduta e deontológicos para que não seja criada uma falsa sensação de conduta ética com a simples existência destas normas.
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Atendendo ao acrescido escrutínio público que se vive na sociedade atual, em virtude da crescente e saudável democratização dos meios de comunicação social, existe uma cada vez maior preocupação em demonstrar que organizações e pessoas trabalham de uma forma profissional e ética. Especialmente por esta razão, de cariz reputacional, temos assistido a uma generalização da existência dos denominados códigos de ética, de conduta e deontológicos, em instituições públicas e privadas, bem como em ordens profissionais e sindicatos, em especial desde meados do século XX.
Estes códigos constituem um instrumento essencial que visa criar um standard relativo à forma como os colaboradores de uma instituição, ou os profissionais representados por uma ordem ou sindicato, se devem comportar no exercício das suas funções, correspondendo àquilo que é visto como uma conduta politicamente correta em sociedade e que salvaguarde a boa imagem de uma determinada instituição ou profissão. Logo, a simples existência deste instrumento faz sentido, não só na perspetiva da respetiva instituição e dos seus colaboradores, em virtude da preservação da sua boa imagem, mas também na perspetiva da sociedade em geral, cujos membros são utilizadores dos bens e serviços prestados pelos profissionais sujeitos aos ditos códigos, tendo o direito de ser servidos de forma ética e profissional.
Ainda assim, não obstante a importância de existirem códigos de ética, deve-se ter em consideração que a sua existência não implica um cumprimento automático pelas pessoas a que a eles são sujeitos. De facto, a quebra das respetivas normas geralmente não é de deteção e/ ou de penalização automática, i.e., não só existem normas que não têm caracter obrigatório (mas apenas desejável), como existe ainda a necessidade de ser controlado o seu cumprimento, de modo a detetar (e posteriormente penalizar) comportamentos desviantes. Mas será que, genericamente, este controlo é exercido? Consideremos alguns excertos de normativos potencialmente mediáticos:
- Código Deontológico do Jornalista:
- “1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.”
- “2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.”
- “7. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado.”
O leitor alguma vez assistiu, por exemplo, à leitura sensacionalista, em espaços noticiosos, de alegados factos não suportados e que não respeitam a presunção de inocência de indivíduos?
- Código Deontológico da Ordem dos médicos:
- “ARTIGO 4.º - 1. O Médico, no exercício da sua profissão, é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus actos, não podendo ser subordinado à orientação técnica e deontológica de estranhos à profissão médica no exercício das funções clínicas.”
- “ARTIGO 6.º - 2. O Médico não deve considerar o exercício da Medicina como uma actividade orientada para fins lucrativos, sem prejuízo do seu direito a uma justa remuneração, devendo a profissão ser fundamentalmente exercida em beneficio dos doentes e da comunidade.”
- “ARTIGO 75.º - É considerada falta deontológica o facto de o Médico emitir atestados de complacência ou relatórios tendenciosos sobre o estudo de saúde de qualquer pessoa.”
O leitor alguma vez ouviu, por exemplo, relatos da existência de fármacos receitados sem necessidade, de doentes encaminhados de médicos do SNS para serviços privados (onde coincidentemente também trabalham), ou de atestados médicos emitidos de forma fraudulenta?
- Código Deontológico da Ordem dos Advogados:
- “Artigo 9.º - 2. Os advogados não devem fomentar, nem autorizar, notícias referentes a causas judiciais ou outras questões profissionais a si confiadas.”
O leitor alguma vez ouviu, por exemplo, advogados a comentarem causas a si confiadas, em especial na sequência das audiências judiciais mais mediáticas?
Naturalmente, a escolha dos excertos acima reproduzidos não é inocente e contém a minha opinião pessoal sobre exemplos de normas éticas frequentemente incumpridas, considerando a evidência empírica e a informação pública existente. Ainda assim, e tendo em conta a importância deste tipo de normas para os utilizadores dos bens e serviços prestados pelos profissionais sujeitos aos ditos códigos, convido o leitor a refletir sobre se alguma vez se deparou com situações em que estes e outros códigos são incumpridos, bem como as respetivas consequências para a instituição e profissão que visam proteger, bem como para os utilizadores de bens e serviços em sociedade.
Logo, numa altura em que se discute a aplicação de códigos de ética para políticos, e não obstante a importância da existência destas normas, é importante que as mesmas existam para serem aplicadas e não apenas para criar uma falsa sensação de conduta ética. Assim, e para proteção da sociedade em geral, impõe-se que sejam criados mecanismos de implementação e aplicação obrigatória dos códigos de ética, de conduta e deontológicos.