Óscar Afonso, Jornal de Notícias

 

Desde há alguns meses, em particular no pós-verão, muitas empresas dos sectores industriais intensivos em trabalho do vestuário e do calçado, localizadas maioritariamente nos concelhos de Felgueiras, S. João da Madeira, Santo Tirso, Trofa e Vizela, enfrentam uma quebra muito acentuada de encomendas – sabe-se informalmente da deslocalização para países de mão-de-obra barata do leste europeu e norte de África.

Muitas das respectivas empresas já atribuíram as férias do ano aos seus trabalhadores. Há mesmo trabalhadores que já “devem” horas às empresas (horas em casa sem produzir, mas pagas). Com este “clima” instalado, os prejuízos e as dificuldades vão-se avolumando. A reflectir este cenário está o recurso, por parte de algumas empresas, ao Programa Especial de Revitalização (PER), vocacionado para as empresas recuperáveis, mas em situação económica difícil; isto é, em insolvência iminente.

Apesar deste programa, se nos próximos meses persistir a situação de ausência de encomendas, iremos certamente assistir a uma maré de falências e de desemprego nos concelhos referidos. Trata-se de sectores com empresas fortemente integradas em redes, que produzem em Portugal em subcontratação por marcas internacionais – a Inditex é o exemplo de referência, mas parece não ser o único.

Salientam-se ainda dois aspetos que poderão ser paradoxais face a esta realidade. Por um lado, o longo silêncio das respectivas associações empresariais. Será caso para questionar se se inibem de trazer notícias indesejadas por dependerem quase integralmente de fundos estatais e, portanto, do poder político para a sua existência. Por outro lado, as exportações podem continuar a crescer apesar desta situação. Observando os valores de Janeiro a Novembro de 2017 do Instituto Nacional de Estatística regista-se que a taxa de variação homóloga nominal foi de 3,3% no vestuário e de 3,5% no calçado. No entanto, e aqui é que está o problema, esse aumento das exportações está sustentado por importações, sendo a transformação local apenas marginal – acabamentos e embalagem! Efectivamente, naquele período, a taxa de variação das importações foi bem mais significativa, registando 5,5% no vestuário e 6,0% no calçado.

Apesar da fracção de empresas que evoluíram substancialmente nas últimas décadas, em ambos os sectores, com melhoria nas suas competências e nos modelos de negócio, subsiste ainda um elevado número de empresas cuja competitividade depende do preço.

 

Óscar Afonso – Presidente do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude