Carlos Pimenta, Jornal de Notícias
1. Foram publicados vários livros sobre os intervenientes em fraudes, o que demonstra dois aspectos recentes no nosso país, só possível em democracia: (1) Os «ricos e poderosos» deixaram de estar excluídos das investigações criminais; (2) A «sociedade civil» vai percepcionando como as fraudes dos outros atingem perniciosamente as suas vidas.
É nessa linha editorial que se situa Apanhados, de António Vilela, publicado este ano. Este livro permite-nos compreender como funcionam muitas das elites económicas, sociais e políticas do nosso país na prática da fraude fiscal, branqueamento de capitais e outros crimes e, também como o Ministério Público, as polícias, a Administração Tributária e os Tribunais operam. É um trabalho minucioso de consulta dos processos de investigação e de contextualização social.
- Da leitura apercebemo-nos da tenacidade de quantos se colocam para além dos conflitos de interesse e das pressões sociais para dignificarem o cumprimento da Lei. De uma Lei que coexiste com os caminhos legais para ampliar as ilegalidades, como é o caso dos offshores, jurisdições de sigilo e facilitadores da fraude fiscal e do encontro das elites com o crime organizado transnacional. Uma Lei fiscalizada por instituições com carências humanas e financeiras brutais, exigindo a omnipresença de muito poucos em múltiplas actividades.
Os valores de fraude envolvidos confirmam os obscenos valores da economia não registada apresentados anualmente pelo OBEGEF (27% do PIB oficial em 2015) e revelam a imperiosidade de não desperdiçarmos recursos com algumas pequenas fraudes, eventualmente constitutivas da economia informal de subsistência.
Contudo o livro também revela a face menos adequada de muitas investigações judiciais: mais do que criminalizar os defraudadores e espelhar para a sociedade quem são os infractores, visa-se garantir o pagamento de uma parte da dívida ao Estado, embora seja de admitir que outras se forjarão futuramente. Se aderiu a um perdão fiscal ou paga o solicitado poderá eventualmente ter o processo arquivado.
- Os processos arrastam-se anos, o acaso também potencia resultados, muitas pistas são abandonadas por escassez de recursos.
Muitas investigações poderiam ser mais céleres e profícuas se o Ministério Público soubesse encontrar parceiros que possibilitassem o planeamento da investigação criminal e o seu mais integral aproveitamento. O isolacionismo e a desconfiança só beneficiam as elites criminosas.
Carlos Pimenta – Associado do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude