Ana Clara Borrego, Jornal i online

Será que existem efectivamente regimes simples de tributação em Portugal?

Nos últimos dias, desde a divulgação da proposta do Orçamento de Estado para 2018, têm proliferado comentários e opiniões, de fiscalistas e de outros intervenientes, sobre as propostas de alteração ao regime simplificado de tributação, mormente em sede de IRS.

Naturalmente, não vou debruçar-me em concreto sobre essas propostas de alteração, bem como sobre a sua justiça, enquadramento técnico, ou quaisquer outras perspectivas que têm sido sobejamente comentadas e exploradas nos últimos dias.

O que me induz, hoje, a escrever sobre este assunto é bem mais uma reflexão de estrutura do sistema fiscal e de decisões de política fiscal e muito menos uma questão de pormenores técnicos sobre esta temática.

A primeira questão que pretendo lançar é muito simples: Será que existem efectivamente regimes simples de tributação para as empresas de reduzida dimensão em Portugal? Na minha opinião não existem e estamos a uma distância substancial de almejar alcançar tal objectivo na sua plenitude e ficaremos ainda mais longe de o fazer caso as propostas do OE para 2018 sobre esta temática sejam aprovadas.

Os regimes simplificados de tributação, ou regimes simples, aplicados à tributação de pequenos negócios devem, em primeiro lugar, tornar simples e linear o cumprimento das suas obrigações fiscais, ainda que o Estado tenha que diminuir a carga fiscal que sobre eles incide. Desta forma, diminui-se o incumprimento fiscal do pequeno negócio, quer por diminuição dos erros cometidos pelos contribuintes registados no sistema, quer trazendo para a tributação operadores que num sistema muito complexo e “pesado” se encontrariam a operar na economia paralela. Por outras palavras, pretende-se diminuir os custos de contexto dos pequenos negócios, reduzindo os seus custos de cumprimento fiscal (e, muitas vezes a própria carga tributária) e diminuindo drasticamente a incerteza fiscal que, não raras vezes, desencoraja o pequeno empreendedor para a criação de novos negócios, ou que o “empurra” para a economia paralela.

Para que os leitores compreendam o alcance daquilo que denomino de regimes simples ou simplificados de tributação, passo a concretizar: idealmente são regimes que consolidem o cumprimento fiscal associado aos pequenos negócios numa única obrigação tributária de cumprimento muito simples, na qual a determinação do imposto a pagar seja simples, objectiva, clara e estável no tempo. Este tipo de regimes tende, tal como já foi referido, a diminuir o incumprimento fiscal, a tornar mais clara e transparente a relação do pequeno contribuinte com a administração fiscal e permite a esta última focar os seus esforços de fiscalização nos grandes contribuintes.

Em Portugal não temos, portanto, efectivamente regimes simples de tributação, temos sim, regimes presuntivos (de cálculo presumido de lucros) em sede de IRC e de IRS, que apelidamos de simplificados em vez de os denominarmos como presuntivos, para não “ferir” de forma assumida o artº 104º da Constituição da Republica Portuguesa, o qual vem estatuir que “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Acresce que os nossos regimes simplificados de tributação sempre estiveram associados a um elevado grau de complexidade, particularmente no que concerne ao enquadramento dos sujeitos passivos.

Todavia, não obstante não existirem verdadeiros regimes simples de tributação em Portugal, ainda assim, os regimes presuntivos existentes (que denominamos de simplificados) têm a benesse de, por um lado, trazerem para a tributação contribuintes que de outra forma estariam a operar na economia paralela, por outro, permitirem algum grau de certeza e simplicidade na determinação do valor tributável. Ou seja, não se tratando de regimes verdadeiramente simples permitem “tocar” alguns objectivos dos regimes dessa natureza.

Que novidade trouxe então a proposta de Orçamento de Estado para 2018 neste contexto que tanta polémica tem proporcionado?

Enquanto regimes presuntivos, aquilo que denominamos erradamente em Portugal como regimes simplificados, tal como já foi referido, presumem o lucro com base numa regra de cálculo sobre os rendimentos; contudo, consequência dessa presunção de lucro, também presumem encargos para a actividade – quer eles existam de facto, ou não – quer os encargos reais sejam maiores ou menores do que os valores de encargos presumidos.

A título de exemplo, em relação a um qualquer profissional livre enquadrado no regime simplificado de tributação, por exemplo um formador, um contabilista, um médico, um advogado, etc, que emita 10.000 Euros de facturas-recibo, presume-se que o seu lucro totalize 7.500 Euros; consequentemente, por inerência, presume-se, também, que o diferencial, isto é, 2.500 Euros sejam os seus encargos, independentemente de qualquer comprovação quanto à sua existência ou montante.

Naturalmente que, como se depreende da explicação anterior, em algumas situações os contribuintes ficam beneficiados por se lhes presumir gastos acima dos reais, em outros casos acontece o inverso e, nesta espécie de “equilíbrio”, este regime, em IRS, tem existido nestes moldes há quase duas décadas.

As novidades na proposta de Orçamento de Estado para 2018 neste contexto têm como objectivo “travar” as situações em que o regime se torne excessivamente vantajoso para alguns contribuintes, obrigando esse grupo de contribuintes a comprovar os encargos. Nesse sentido, para 2018 vem o Governo propor a criação de regras que, a serem aprovadas, vão aumentar exponencialmente o grau de complexidade num regime que já não era simples e que prometem consubstanciar-se como a morte anunciada deste regime para uma fatia substancial de contribuintes, mormente profissionais livres.

Vou finalizar esta crónica, que já vai longa, tal como comecei, isto é na forma interrogativa. E agora? Caso as novas regras venham a ser aprovadas, quais as consequências a nível da economia paralela? Quantos contribuintes deixarão de estar registados? Quantos contribuintes entrarão em esquemas de sub-facturação para não alcançarem o montante a partir do qual terão que comprovar os encargos?

Não promete ser esta mais uma situação em que o aumento abrupto da carga fiscal sobre um conjunto de contribuintes se possa vir a tornar contraproducente obtendo-se o efeito contrário ao pretendido pelo legislador?