Pedro Moura, Visão online,

"(...) os portugueses preocupam-se realmente com a taxa de Desemprego do país (já que se esforçam tanto para que haja tanto trabalho para os outros fazerem (...)”
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Há um bem que é, talvez mais que todos os outros, massivamente apropriado de forma indevida: o Tempo. A nossa dócil e afável cultura lusitana leva-nos ao paradoxo de ao mesmo tempo que achamos sempre não termos tempo para nada, não nos parecermos importar que em muitos contextos sejamos totalmente defraudados desse mesmo tempo que achamos não ter.

Se há vários destes ‘contextos certos’ em que somos roubados do nosso tempo com a nossa aparente permissão, contextos que se repetem com uma frequência que uma análise racional apelidaria facilmente de ‘loucura’ (repetir consecutivamente as mesmas coisas esperando um resultado diferente como por exemplo ir de carro para o trabalho), há um contexto que em Portugal se revela extraordinário no seu efeito malévolo na quantidade e qualidade de tempo que sonega às pessoas: o 'trabalho’. Confesso que ao fim de quase 20 anos no ‘mercado profissional’ ainda fico abismado com a quantidade de tempo (e esforço) que as pessoas desperdiçam no seu ’trabalho’ (especialmente se comparando com a sua produtividade).

Meio a gozar costumo dizer que o maior trabalho em Portugal é dar trabalho aos outros. E não falo só de ‘chefes’: falo mesmo de fazer com que os outros tenham trabalho, através de uma mistura mágica de incompetência, desleixo, mesquinhice, auto-justificação, racionalização, auto-alienação, isolamento e aversão ao risco e responsabilidade.

Por exemplo, o que é um email com 10 pessoas como remetentes, senão uma forma de roubar tempo aos outros para se não assumir uma responsabilidade? O que é sair às 9 horas da noite quando se gastou metade do dia a beber cafés, discutir o jogo do fim de semana e ver cusquices no 'face’? O que é não se ser capaz de contrariar um pedido ridículo para se trabalhar fora de horas? O que é ter 10 assuntos por fechar, do qual outros dependem para o seu trabalho, e andar-se a queixar que se tem muito trabalho? O que é ser-se totalmente inflexível no exercício de uma profissão e não se ser capaz de fazer um esforço real para resolver os problemas de outras pessoas?

Chego a duas conclusões sumárias:

  • os portugueses preocupam-se realmente com a taxa de Desemprego do país (já que se esforçam tanto para que haja tanto trabalho para os outros fazerem);
  • estão-se a borrifar para o seu tempo, desde que sintam o conforto de que ‘é assim com toda a gente’, e que portanto estão a ser tão prejudicados quanto os outros (os portugueses tendem a sentir-se bem não quando estão a ser tão beneficiados como os outros, mas sim quando estão a ser tão prejudicados quanto os outros; ou melhor, quando os outros estão a ser tão prejudicados quanto eles próprios).

Esta última conclusão, não sem um certo tom de fatalismo, entra na minha categoria de ‘só estou a fazer o meu trabalho: abrir torneiras para os banhos de gás’. Sei bem que exagero (muito) com esta comparação. Mas o mecanismo básico de auto-alienação crescente frente a uma organização bur(r)ocrática é o mesmo, e talvez por ser segunda-feira esteja um pouco mais azedo relativamente ao tempo que me é roubado com a minha anuência.

Para concluir, uma confissão: acho convictamente, do fundo da minha mais que falível intuição, que se mandássemos uns 30% das pessoas que ‘trabalham’ em Portugal (quer no ‘público’ quer no ‘privado’) para casa, com os seus ordenados pagos, tudo isto iria funcionar muito melhor, sem deterioração de produção, qualidade de vida, e que se iria, sobretudo, trabalhar muito melhor e desperdiçar muito menos tempo entre toda a gente. Tempo não é trabalho.

Mas provavelmente estou errado, e a desperdiçar o vosso tempo. Mas como sinto que estou a trabalhar, não me sinto mal por vos defraudar desse bem.