Rute Serra, Jornal i online
Animada pelo tom ligeiro, que a época estival demanda, permitam-me o relato na primeira pessoa, desta pequena história:
Eram quatro da madrugada, de uma canícula intensa ocorrida há uns dias, quando o passarinho do meu telemóvel piou duas vezes, interrompendo bruscamente o silêncio da noite, provocando-me um quase súbito enfarte do miocárdio. Paralisada pela incerteza de estar cá ou por terras de Morpheu, mantive-me, e ainda bem, imóvel.
Este tipo de cenário bizarro, como o que relato, tem, infelizmente, ocorrido em Portugal nos últimos dias, com alta frequência. Não são novidade: são como ondas de choque conhecidas há décadas, sem que se consiga assistir a um diminuir da atividade fraudulenta, deixando o consumidor de telecomunicações, totalmente desprotegido, no caso de inadvertidamente, embalar no esquema.
Estão identificadas dezenas de fraudes, na indústria de telecomunicações, com nomes dignos dos mais refinados menus de degustação: cramming, slamming, phishing, spamming, pharming, smishing. Todos, causa da perda de milhões em receita, para as operadoras e para os consumidores. Estas fraudes denominam-se International Revenue Share Fraud (IRSF), que em bom português, pode traduzir-se como fraude internacional de partilha de lucro. Usufruindo da atual complexidade dos ecossistemas móveis, a organização criminosa possui o equipamento adequado à geração aleatória de milhares de chamadas, e lucra com a receita gerada no destino.
O meu caso e o de tantos outros, configura-se como uma tentativa de fraude, com o sugestivo nome de wangiri: expressão japonesa em que “wan” significa um e “giri” desligar. O objetivo é simples, mas extremamente lucrativo, pois calcula-se que recentemente tenha gerado ganhos ilícitos, na ordem dos dois mil milhões de dólares, em todo o mundo: ao verificar uma chamada não atendida, é provável que o incauto destinatário ligue de volta, momento no qual, é atendido por linhas premium de valor acrescentado, descontado diretamente do saldo do seu telemóvel.
E não é só o consumidor final, a possível vítima deste esquema: as operadoras de comunicações também o são. Em 2002, a empresa japonesa de telecomunicações NTT Communications Corporation sofreu danos consideráveis, quando foi alvo de um ataque deste género que paralisou, por quatro horas, os seus servidores em Osaka, Japão. Imediatamente aplicou uma estratégica interna antifraude. Em Macau, a situação é preocupante, de acordo com informação da Polícia Judiciária local, que aponta prejuízos superiores a 525 mil euros (5 milhões de patacas), correspondentes apenas a trinta casos registados, com recurso a esquemas de burlas telefónicas.Infelizmente, por cá, não há notícia que as operadoras apostem forte na prevenção deste tipo de esquema criminoso, seja através de campanhas preventivas eficientes, ou mesmo de divulgação das medidas internas propostas, para combate ao ilícito. O que nos leva à miserável conclusão, de que estamos totalmente expostos a estes ataques, pelo simples facto de termos um telemóvel.
Invariavelmente, o conselho a que se assiste na comunicação social, sempre que há notícia deste tipo de acontecimento, é o de não ligar de volta. Mas e SE liguei de volta?
Nesse caso, o leite foi derramado e muito provavelmente fomos vítimas do crime de burla: a astúcia do agente (organização criminosa) foi causa do erro (ligar de volta) e este erro foi a causa da disposição patrimonial (assim que enceta a chamada e ela é atendida, há prejuízo financeiro). Mas ao contrário do que diz o adágio popular, valerá ainda a pena “chorar”? Resta-lhe a denúncia às autoridades policiais ou Ministério Público…e recorrer à fé, na árdua tarefa que estes terão, na identificação e responsabilização dos fraudsters.