António João Maia, Visão online,

É relativamente fácil percebermos as motivações racionais que levam alguns indivíduos a corromper o sistema (…) Mas que dizer relativamente à racionalidade que possa estar associada às ações terroristas?

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A corrupção e o terrorismo são inquestionavelmente dois dos grandes problemas da atualidade!

Não tem havido, infelizmente, dia nenhum em que os media não deixem de nos trazer notícias de atos de uma ou de outra realidade, quando, não raro, de ambas.

As notícias de corrupção, ou as suspeitas da sua ocorrência, surgem associadas geralmente a políticos e a homens de negócios e contribuem para a redução da confiança dos cidadãos sobre os líderes e as elites da sociedade e do Estado.

As notícias dos atentados terroristas, de que são exemplo mais recente os tristes factos ocorridos em Barcelona, surgem associadas a elementos mais difusos e difíceis de caraterizar, apesar de muitos analistas tenderem a associar estes atos horrendos às dinâmicas da globalização, particularmente aos choques de culturas e de religiões.

Esta reflexão olha para ambos os problemas um pouco à luz da racionalidade que possa estar associada às motivações daqueles que os põem em prática. Trata-se de um modesto exercício que pretende contribuir, um pouco que seja, para a explicação destes fenómenos humanos, pois é disso mesmo que estamos a falar, de atos praticados deliberadamente por homens contra outros homens.

Comecemos então pela corrupção.

Relativamente a estas práticas julgo que é relativamente fácil percebermos as motivações racionais que levam alguns indivíduos a corromper o sistema. A defraudar as expectativas sociais. A optarem por soluções ínvias e caminhos alternativos para alcançarem os seus intentos, na maior parte das vezes associados à garantia da obtenção e maximização de um lucro fácil.

Neste âmbito, será fácil perceber, por exemplo, que alguém menos escrupuloso se disponibilize a corromper o júri de um concurso como forma de garantir previamente a construção de uma infraestrutura pública (por exemplo um troço de auto-estrada), e que os membros desse júri, também eles necessariamente menos escrupulosos, aceitem esse suborno em troca da garantia da adjudicação da obra em conformidade com essa expectativa.

A racionalidade daquele que pratica o suborno reside na garantia prévia da execução dos trabalhos, por anulação da concorrência e conseguindo provavelmente um valor de adjudicação bem superior ao real. E a dos que são subornados fica a dever-se ao somatório do valor do suborno recebido com o dos salários legalmente auferidos em razão das funções públicas que exercem. Todos eles colocam os seus interesses imediatos – o aumento do lucro – acima de quaisquer outros, designadamente do interesse geral. Por isso não têm qualquer problema em subvertem os pressupostos legais próprios do procedimento concursal. Por isso corrompem o sistema existente e defraudam as expectativas sociais quanto ao cumprimento das normas e dos princípios que lhes estão associados.

Mas que dizer relativamente à racionalidade que possa estar associada às ações terroristas?

Confesso que esse elemento racional se afigure mais difícil de ser encontrado.

Desde logo, e numa primeira linha de análise, importa verificar que a quase totalidade dos autores dos atos terroristas perde a vida nesses mesmos atos (no caso das ações suicidas) ou na sequência deles (em resultado da reação das polícias e das forças de segurança).

Deste ponto de vista, estas ações não podem deixar de ser entendidas como um fim em si mesmo. O propósito de um terrorista de primeira linha, chamemos-lhe assim, passa pelo fim físico do eu. A ser verdadeira esta possibilidade, ela é claramente uma solução que do nosso ponto de vista de ocidentais é desprovida de qualquer sentido, por ser claramente irracional e ilógica. Julgo que para compreendermos estas opções tão bem quanto possível teremos de estudar aprofundadamente os contextos de toda a cultura de onde são provenientes estes indivíduos.

Por outro lado e ainda do ponto de vista da racionalidade, julgo que estes terroristas de primeira linha são também vítimas – talvez as primeiras – dos mentores do terrorismo.

Quanto aos mentores, eles constituem a segunda linha do fenómeno e será provavelmente onde possamos encontrar a raiz do problema. Esta linha é composta por aqueles que arquitetam os planos terroristas e que, direta ou indiretamente, induzem terceiros a oferecerem a vida para os colocar em prática. Ao que parece conseguem a adesão de voluntários – quase sempre rapazes jovens – em troca do martírio por uma causa superior.

Talvez aqui consigamos vislumbrar sinais concretos de alguma racionalidade. Estes terroristas de segunda linha, podem de facto apresentar, aqui e ali, uma racionalidade um pouco mais perceptível ao nível nas metodologias que adotam. Sobretudo na capacidade de recrutamento de voluntários e nas estratégias indutoras para o cometimento de atos suicidas, e também na escolha dos locais e dos momentos da prática dos atentados.

Mas quanto aos propósitos, que racionalidade lhe encontramos?

Sinceramente, julgo que nos continua a escapar uma resposta satisfatória a esta questão. A capacidade do olhar ocidental é muito limitada neste âmbito. Ela não nos tem permitido – não sei se algum dia o permitirá – perceber que quadro racional esteja verdadeiramente por detrás destas ações e destes projetos, se assim lhes podemos chamar. O terror pelo terror? A imposição de uma certa ordem cultural e sobretudo religiosa de dimensão planetária? O que querem? O que pretendem? Porque lançam estas sementes de desespero, de ódio e de medo por todo o lado? Porquê?

Julgo que também relativamente a esta segunda linha do fenómeno e às suas eventuais motivações seja imperioso o estudo aprofundado de todo o contexto social e cultural que permite a produção destes modos de ser e de estar na vida. Passará por aí o conhecimento da raiz do problema, de o tornarmos inteligível e compreensível aos nossos olhos.

De outro modo e enquanto não conseguirmos passar este patamar, esta será sempre uma luta desigual, sobretudo porque do outro lado estará algo estranho, ilógico, irracional, fantasmagórico e sobretudo medonho, mas sempre pronto a atacar do modo mais surpreendente, vil e traiçoeiro que possamos imaginar.

Só a racionalidade conjugada com uma cooperação efetiva entre os Estados na partilha de informações permitirá um conhecimento mais detalhado sobre este fenómeno e as múltiplas facetas que o caraterizam.