Carlos Pimenta, [types field="pub" class="" style=""][/types],
Nem só no sector público se manifesta a corrupção. Ela existe nas empresas privadas, no desporto, no comércio internacional, nas instituições de ensino, enfim, em qualquer parte da sociedade.
Chimamanda Adichie, escritora nigeriana, autora do magnífico romance "Meio Sol Amarelo", sobre a dramática guerra do Biafra, numa conferência sobre a sua experiência profissional (http://www.youtube.com/watch? v=EC-bh1YARsc), alerta para "o perigo de uma história única", a atroz simplificação da realidade através de frases feitas e generalizações abusivas.
As declarações sobre a fraude, esse comportamento ilegal e imoral que se processa veladamente e prejudica a sociedade, estão repletas de "histórias únicas", para o que também contribui o sensacionalismo dos meios de informação.
Reconhecendo-se que há políticos corruptos conclui-se, por exemplo, que "todos os políticos são corruptos". No entanto, esta afirmação não resiste a uma leitura atenta da realidade.
Para o demonstrarmos façamos uma observação da passada legislatura da Assembleia da República. Os deputados são obrigados a preencher um "Registo de Interesse", em que mencionem "todas as actividades susceptíveis de gerar incompatibilidades ou impedimentos ao exercício do respectivo mandato". Elas relevam conflitos de interesse, possibilidade de confusão entre as práticas públicas e privadas. Constatamos que são declaradas 412 entidades nessa situação. 193 são declaradas por deputados do PSD, 155 do PS, 48 do CDS-PP, 10 do BE e 6 do PCP. Porque estes dados reflectem a situação dos deputados e o peso das representações partidárias, o número médio de entidades por deputado reflecte mais claramente a probabilidade de os deputados de cada um dos partidos incorrerem em violações dos interesses públicos em detrimento das vantagens pessoais. Quanto mais elevado for o rácio maior é a probabilidade. Os seus valores são 2,38 para o PSD; 2,29 para o CDS-PP; 1,60 para o PS; 0,63 para o BE e 0,46 para o PCP.
Uma análise individual também releva diferenças. Enquanto alguns deputados têm ligações a uma dezena de empresas capazes de influenciar a nossa economia, outros não estão associados a nenhuma. Enquanto alguns chegam à Assembleia da República sem quaisquer compromissos privados e assim se encontram no fim do mandato, outros vão preenchendo a sua "carteira privada" (hoje "consultores", depois "colaboradores", amanhã "administradores") durante o exercício da função pública. Enquanto para uns esses conflitos de interesse nunca se concretizam em comportamentos não éticos, outros estão em comissões especializadas para arranjarem contratos para as empresas a que estão ligados. Enquanto alguns cumprem escrupulosamente a obrigatoriedade de revelar os interesses privados, outros apenas revelam amnésia.
Com a grandiloquência das generalizações esquece-se que o financiamento informal das campanhas eleitorais é uma forma "institucional" e incolor de "comprar" as posições políticas dos eleitos. Esquece-se que a utilização da informação privilegiada e as manipulações das contas em paraísos fiscais e judiciais podem ser tão gravosas quanto a corrupção. Esquece-se a velada aproximação de instituições criminosas a alguns "políticos empreendedores".
Ignora-se que nem só no sector público se manifesta a corrupção. Ela existe nas empresas privadas, no desporto, no comércio internacional, nas instituições de ensino, enfim, em qualquer parte da sociedade.
Uma "leitura única", para acabarmos como começámos, distorce profundamente a interpretação da realidade e, consequentemente, debilita a nossa capacidade de lutar contra esses cancros sociais.