Aurora Teixeira, Visão on line,

Nota introdutória da autora

Não é meu objetivo apresentar aqui uma análise global das razões "legítimas" para o absentismo (por exemplo, no caso dos estudantes, más práticas pedagógicas por parte dos docentes, unidades curriculares sem conteúdo, incapacidade física ou monetária em se deslocarem para a escola/faculdade, ...), mas antes chamar a atenção para a generalização deste fenómeno, pseudo-legitimada por 'chavões' como 'liberdade de escolha', 'autonomia e responsabilidade individual'.

"Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela."

(George Bernard Shaw, Dublin, 1856 - Ayot Saint Lawrence, 1950)

Para muitos, o ensino superior é sobre a aprendizagem autónoma e independente, logo os estudantes teriam o direito de gerir o seu tempo como bem entenderem - mesmo que isso signifique faltar às aulas. Não negando a importância dos estudantes preservarem a sua liberdade e flexibilidade durante os seus estudos, é para mim claro que o absentismo elevado às aulas acarreta danos tanto para o processo de aprendizagem do estudante como para o funcionamento da comunidade académica.

Os estudantes têm o direito e o dever de frequentarem e tirarem o melhor partido do processo de aprendizagem em sala de aula, já que eles próprios, as suas famílias e a sociedade em geral (via impostos) estão a investir na acumulação do seu capital humano.

Permitir que os alunos faltem às aulas 'por sistema' prejudica o sentido de comunidade académica, que é tão importante para as escolas e universidades - especialmente em áreas onde há uma grande ênfase na partilha de ideias: os estudantes podem aprender, não apenas com o professor, mas também com os outros colegas. Adicionalmente, o excessivo absentismo às aulas prejudica os seus próprios estudos e tende a gerar nos estudantes uma atitude de laxismo e desresponsabilização, bem patente nas justificações que muitos dão para as suas faltas: 'ter adormecido', 'estar de ressaca' ou, simplesmente, 'não quererem se dar ao trabalho de aparecer'...

Quando a oportunidade está lá é tentador fugir da responsabilidade!

Neste aspeto, o paralelismo entre as gazetas dos estudantes universitários e as ausências dos deputados da Assembleia da República às sessões plenárias é, no mínimo, perturbador...

De acordo com informações veiculadas pela a agência Lusa, entre 20 de junho de 2011 e 13 de julho de 2012, ocorreram 134 sessões plenárias tendo-se registado 1055 faltas de deputados, isto é, uma média de quase oito faltas por cada sessão na AR. E o mais interessante é que o absentismo ocorre sobretudo... já adivinharam(!)... à sexta-feira! Claro que a maioria das faltas são 'justificadas' com o já desgastado 'trabalho político' [tenho, aqui, uma dúvida existencial: sendo que as sessões plenárias da AR ocorrem, por regra, às quartas, quintas e sextas porque não concentram os deputados o 'trabalho político' às segundas e terças?]. Mas, qualquer que seja o motivo subjacente à justificação - 'trabalho político', 'força maior', 'doença'... - ele, estranhamente, tende a coincidir com as vésperas do fim-de-semana!

Em algumas faculdades, ao nível da licenciatura, já não há aulas à sexta-feira à tarde. Possivelmente, estas faculdades estarão, 'racionalmente', a ajustar as expetativas de absentismo de estudantes (e quiçá professores), evitando a eventual maçada por parte dos gazeteiros de terem que inventar justificações para as suas faltas.

Em benefício da preservação da ética académica e política, o melhor seria acabar com os fins de semana!

Um outro aspeto curioso (e, em certa medida, 'divino') da regulação das gazetas dos deputados (aprovada em 2009) é que "a palavra dos deputados faz fé, não carecendo por isso de comprovativos adicionais". Couto dos Santos, presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, defende que não faz sentido obrigar os deputados a apresentarem atestados médicos ou outros comprovativos, como de resto têm de o fazer a generalidade dos 'mortais' que trabalham nos sistemas público e privado, porque são "responsáveis pelos seus actos" e é preciso ter "confiança em quem elegemos". Bom, pode-se depreender destas palavras que os restantes trabalhadores "não são responsáveis pelos seus actos" ou "não são de confiança"! Ficam assim, de uma penada, 'justificadas' as milhares de baixas médicas fraudulentas que ocorreram em Portugal em 2012: os seus titulares são inimputáveis e/ou quem as prescreveu não é de confiança.

Face à desresponsabilização crescente e alarmante que se vive em Portugal e dada a ausência de quaisquer evidências objetivas, resta-nos 'ter fé' que alguma vez sairemos do buraco onde nos encontramos!

Para elevar a nossa fé e finalizar este meu texto de uma forma menos deprimente, transcrevo em baixo a mensagem inteligente de Boss AC ('Tu És Mais Forte'):

(...)

Às vezes as pessoas desiludem

Mas não fiques em casa parado à espera que mudem

Muda tu rapaz

Muda a tua atitude, vais ver ver que és capaz

(...)

Nem tudo é fácil mas assim dá mais gosto

Quando acreditas a força nunca se esgota

Só a reconheces a vitória se souberes o que é a derrota

Vais ver que no fim acaba tudo bem (...)