António João Maia , [types field="pub" class="" style=""][/types],
O homem é por vezes vítima das ratoeiras que constrói inadvertidamente com as suas próprias palavras?
As palavras permitem a comunicação. É através delas que expressamos ideias, ansiedades, projectos, a nossa forma de ver e sentir o mundo. As palavras também têm o poder de induzir ideias nos outros, de os levar a ver o mundo com um determinado sentido?
Nesta reflexão aborda-se o discurso, simples e inócuo (haverá discursos verdadeiramente inócuos?), que expressa o que pensamos sobre a realidade, e sobretudo que efeitos podem ser induzidos por ele.
Parto de algo tão simples como a afirmação que muitas vezes ouço da boca do meu filho acerca do estudo da matemática. Sinto que, como numa armadilha, o João e tantos outros colegas caiem inadvertidamente na ratoeira de um certo discurso reinante:
- A matemática? A matemática é difícil?
E a partir desta ideia, sem querer e sem se darem conta - porque não têm consciência disso -, quase assumem que podem, legítima e naturalmente, deixar de aspirar a melhores classificações, precisamente porque todos - os colegas e alguns pais (?) - dizem que a matemática é difícil?
Costumo contra-argumentar com o João que a matemática até pode ser um pouco mais complexa, que as outras matérias escolares, pois cada uma tem a sua natureza e a sua lógica. Porém, e apesar disso, não é impossível compreendê-la! Simplesmente requer mais treino, mais tempo e disponibilidade para exercitar a mente, para a perceber e entender, para entrar na sua lógica.
Não se sabe, nem se imagina o esforço acrescido que é necessário fazer para inverter o efeito induzido por este tipo de discurso, para suscitar atitudes de maior envolvimento e curiosidade pela descoberta do conhecimento. O João, com a ajuda dos professores e dos pais, mas sobretudo com o seu esforço, vai conseguindo alcançar resultados satisfatórios. Porém, sente-se que com outro discurso envolvente, mais positivo, talvez não necessitasse de gastar tanta energia para alcançar os mesmos ou porventura melhores resultados.
Este poder das palavras recorda-me um episódio da minha infância. Seguíamos no velho Opel da família quando, já caída a noite, ao passarmos algures, numa estrada sem iluminação e no meio de um pinhal, minha mãe, por não ver sinalização nenhuma e sem encontrar referências no mapa, evidenciou preocupação e receio por podermos estar perdidos. Nesse momento, o meu pai, com a calma e convicção, disse:
- Calma! Não estamos nada perdidos! Podemos não saber exactamente onde estamos, mas não estamos perdidos!
E de facto não estávamos perdidos! Para lá de, pouco depois, termos encontrado a direcção pretendida, aquelas palavras foram âncoras. Evitaram uma reacção negativa, que, a ter-se instalado, talvez nos tivesse deixado mesmo perdidos. Talvez nos tivesse feito desistir de procurar as referências de localização que ali, naquele momento, nos escapavam?
A palavra - refere José Saramago em "A Jangada de Pedra" -, quando dita, dura mais que o som e os sons que a formam, fica por aí, invisível e inaudível para poder guardar o seu próprio segredo, uma espécie de semente oculta debaixo da terra, que germina longe dos olhos, até que de repente afasta o torrão e aparece à luz, um talo enrolado, uma folha amarrotada que lentamente se desdobra?