Carlos Pimenta, Jornal de Notícias

 

Diversas tendências seculares do capitalismo e das suas diversificadas formas de organização política se interligaram e consolidaram na década de 80, brotando o que se designa por globalização. A força da sua institucionalização, a propagação do individualismo, o peso da ideologia e a sua hegemonia mundial garantiram a sua continuidade após crise 2008, quiçá seu reforço.

São três os pilares em que assenta a organização económica e política vigente e que todos vivenciamos neste velho continente europeu, com arcas de Filosofia e tensões latentes de belicismo.

O primeiro, financiarização, é uma grande intensidade de operações financeiras em relação às actividades produtivas, ao desenvolvimento, criadoras de valor novo. A prioridade é a salvaguarda do sistema financeiro (considerado sistémico), pela bolsa e pelos empréstimos (aos Estados e ao consumo). É nas actividades financeiras que se concentra crescentemente a riqueza, num mundo cada vez mais desigual: 1% dos mais ricos possuem mais riqueza que os 99% restantes.

O segundo tem a ver com os compromissos e regras fundamentais da organização política vigente em diferentes formas de organização do Estado. Assenta no juízo de valor de que o mercado, entidade miticamente transparente, eficiente e criadora de emprego, corresponde à gestão óptima dos recursos escassos. O Estado, considerado ineficiente, só é útil para impor o primado da iniciativa privada e reforçar a «dinâmica do mercado» e a «liberdade de escolha». A internacionalização dos lucros e a nacionalização dos prejuízos é a sua grande descoberta após a crise.

O terceiro é a possibilidade do capital financeiro se apropriar de valor que não se produziu. Para que tal se verifique há três possibilidades concomitantes:

  • Uma é aproveitar o progresso tecnológico, a estreita relação com o Estado e a gestão à escala mundial para se apropriarem de riqueza.
  • Outra é usufruir em seu proveito uma grande parte do valor criado à margem do oficial, isto é, da economia não registada na contabilidade nacional.
  • Finalmente é apropriar-se da riqueza alheia, isto é, passar para a sua propriedade o que era valor anteriormente apropriado por outras entidades, assistindo-se a uma transferência de riqueza.

A grande fraude é parte integrante deste último suporte do sistema social em que vivemos. Não é apenas um epifenómeno gerado pelas idiossincrasias de alguns.

É neste contexto difícil que é preciso tudo fazer para a prevenir e a restringir, se pugnamos por uma sociedade mais justa.

Carlos Pimenta – Associado do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude