Carlos Pimenta, Jornal de Notícias,
A Revolução Industrial consolida o capitalismo na Europa, influenciando, senhoreando, colonizando os restantes espaços. A Conferência de Berlim, em 1884/5, patenteia-o: os países europeus demarcam com régua os espaços de controlo sobre os povos africanos, ignorando os homens e valorizando as matérias-primas.
O capitalismo fomentou almejado crescimento económico, com domínio para uns e subserviência para outros. Internacionaliza-se, alastra-se, aqui e ali mundializa-se. Por finais do século XIX implantam-se as primeiras multinacionais, enquanto os Estados consolidam-se nos seus territórios, reflectindo, com translucidez ou opacidade, os anseios de bem-estar das populações. Na convergência (investimento produtivo, emprego, inovação tecnológica, aumento do produto, etc.) umas e outros convivem e entrelaçam-se, harmonizam-se na convergência dos interesses diversos.
Mas a mundialidade das empresas e a soberania dos Estados também conflituam (repartição do rendimento, salvaguardas nacionais e dinâmicas internacionais, prioridades e conteúdos legislativos, regras burocráticas e administrativas, fiscalidade, etc.). Antagonismos de interesses e oposições de percursos, embates silenciosos e perturbações nas convergências. Refregas de final inopinado. Quando há conveniências diferentes, quiçá antagónicos, quem obedece e quem decide?
Os paraísos fiscais, administrativos, judiciais e de sigilo ‒ vulgo offshores ‒ exprimem, eloquentemente, o conflito secular entre o capital globalizado e as populações nacionais, entre o poder económico de alguns e o direito à vida e à dignidade de muitos. Pelejam cruelmente no silêncio do logro e dos afagos ideologicamente construídos, com a inexorável consolidação do poder económico.
Nesta contenda secular, entre avanços e recuos, os anos oitenta marcaram decisivamente a contemporaneidade. A tecnologia encurta espaços, acelera a comunicabilidade e a circulação da riqueza desmaterializada. Os Estados, com epicentro nos mais poderosos, subordinam a sua vontade política ao poder económico das empresas oligopolizadas, sob a opacidade dos mercados. O socialismo desmorona-se e altera-se a correlação de forças mundial.
Hoje os offshores coadjuvam à fraude fiscal um capitalismo de apropriação de rendimento não produzido, o branqueamento do crime, a corrupção, o entrelaçamento indelével entre o legal e o ilegal, o ético e o hediondo. O crime organizado transnacional é hoje um aliado organicamente construtor da mundialização do capital.
Carlos Pimenta – Associado do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude