Óscar Afonso, Jornal i online
O Observatório de Economia e Gestão de Fraude tem dado conta do peso da Economia Não Registada em Portugal. Os últimos dados existentes referem-se ao período 1970-2015 e revelam uma tendência de aumento desde o início do período, passando a representar 27,29% do PIB oficial e correspondendo a 48993 milhões de euros em 2015 – suportaria o orçamento do ministério da Saúde durante cinco anos
Na crónica de hoje vou recordar a actualização do índice de Economia Não Registada (ENR) (paralela ou sombra) em Portugal, para os anos de 2014 e 2015, cuja apresentação ocorreu no passado dia 9 de Novembro.
Como tenho referido em crónicas anteriores, em todos os países existe uma parte da Economia, a ENR, usualmente fruto de comportamentos marginais e desviantes que não é acomodada pela contabilidade nacional, sendo o seu peso, causas e consequências variáveis no espaço e no tempo. Encontrar uma definição não é uma tarefa fácil, porque o fenómeno é complexo e está em constante mutação (adapta-se, em particular, às alterações nos impostos, às sanções das autoridades fiscais e às atitudes morais em geral) e porque incorpora diversas actividades económicas – inclui a Economia Subdeclarada, a Ilegal, a Informal, o Autoconsumo e a Subcoberta por deficiências estatísticas.
A Economia Subdeclarada, motivada por razões fiscais, visa evitar o pagamento de impostos e contribuições. A Economia Ilegal resulta de actividades ilícitas, pelos fins ou meios usados. Estas duas rúbricas reflectem a parte mais “negra” do bolo. A Economia Informal e o Auto-consumo comportam actividades económicas essencialmente associadas a estratégias de melhoria de condições de vida das famílias ou de sobrevivência e servem de almofada social, nomeadamente em contextos recessivos, ao evitar maior sofrimento da população.
Os estudos sobre a medida tendem a considerar apenas uma ou algumas das rúbricas, subestimando o objecto. Efectivamente, a definição considerada depende do propósito, da metodologia e da informação disponível, enfatizando-se sobretudo a Economia Subdeclarada.
Mas como medir o “invisível” (algo que, note-se, acontece também com parte do PIB oficial)? Há três grandes grupos de métodos estatísticos e econométricos capazes dessa medição: monetário, de indicador global e de variável latente. O primeiro estabelece relações entre o PIB oficial e variáveis monetárias, e assume que comportamentos destas últimas variáveis à margem dessas relações são motivados pela ENR. Um método de indicador global assume uma relação precisa e estável entre o indicador global e o PIB oficial, sendo a ENR a diferença entre o PIB oficial e o PIB associado ao indicador global. Um método de variável latente considera um número significativo de variáveis causa, que afectam o tamanho e a evolução, e consequência, que reflectem o rasto na economia oficial.
Como é do conhecimento geral o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) tem dado conta do peso da ENR em Portugal. Os últimos dados existentes, obtidos com os justificados e testados modelos monetário e de variável latente, referem-se ao período 1970-2015 e revelam uma tendência de aumento desde o início do período, passando a representar 27,29% do PIB oficial e correspondendo a 48993 milhões de euros em 2015. Para ter uma ideia da grandeza do valor, diga-se que suportaria com folga o orçamento do ministério da Saúde durante cinco anos e que teria servido para, com os impostos cobrados, eliminar folgadamente o deficit de 3,12% no PIB do Orçamento Geral do Estado.
Em geral, as principais causas explicativas são os impostos, contribuições para a segurança social e custos administrativos, a intensidade e complexidade de leis e regulamentos (burocracia), a falta de credibilidade de órgãos de soberania face à conduta de alguns representantes, a ineficiência da administração pública, a falta de transparência no atendimento público, as condições de mercado induzidas pela globalização, a carga de regulação e o desemprego.
Como principais consequências salienta-se a distorção na concorrência entre empresas, a redução das receitas fiscais – logo a degradação das contas públicas e do investimento e, portanto, do crescimento e da redistribuição –, e a incerteza na estabilização da economia.
Considero que nos últimos anos muito tem sido feito para travar a ENR. Mas há ainda um longo caminho a percorrer. Há que aumentar a transparência na gestão dos recursos públicos, educar a sociedade civil sobre os seus efeitos perversos, ter uma justiça mais rápida e eficaz, implementar o crime de enriquecimento ilícito, combater a fraude empresarial, combater a utilização abusiva de convenções de dupla tributação, incentivar o uso cada vez maior de meios electrónicos nas transacções de mercado, e combater o branqueamento de capitais com melhor supervisão do sistema financeiro, melhor regulação do sector, legislação adequada e vontade por parte das autoridades em actuar. Infelizmente, a avaliar pela indiferença dos políticos aos números da ENR, as expectativas quanto a longo caminho a pecorrer não são nada optimistas.