André Vieira de Castro, Visão online,

 

A operação FIZZ vem demonstrar que todos temos um preço…
...

A “Operação FIZZ” tem tudo para ser um excelente exemplo daquilo que se pretende com esta coluna de opinião do “Silêncio da Fraude”. Pretende-se que, a partir de casos reais, se consiga colocar os leitores despertos para o fenómeno da fraude e os seus mecanismos de prevenção e alerta.

À data que escrevo acaba de ser decretada a prisão preventiva de Orlando Figueira, Procurador do Ministério Público em gozo de licença sem vencimento desde meados de 2012. As razões que assistem à detenção preventiva são as clássicas. Evitar eventual interferência com a investigação, com as provas e com as outras testemunhas. Eventual risco de fuga.

Por fortes indícios da prática dos crimes de corrupção passiva (na forma agravada), branqueamento de capitais e falsidade informática. O agora arguido era tido como um dos maiores especialistas na deteção e investigação das ilicitudes pelas quais é agora acusado… só Hitchcock se lembraria de igual!

Nesta narrativa há um Corruptor, relativamente difuso entre Manuel Vicente e um ou outro advogado ou intermediário ocasional, e um Corrompido, Orlando Figueira.

Manuel Vicente, note-se, é Vice-Presidente de Angola (um cargo criado para ele), depois de ter sido durante muito tempo (e com sucesso operacional, reconheça-se) Presidente da opulenta Sonangol, a empresa estatal angolana que gere e explora o negócio do petróleo angolano (apenas uma das maiores empresas africanas).

E foi assim…

Em Abril de 2011, Manuel Vicente adquire um apartamento no Estoril. Um modesto (perdoem-me o óbvio juízo de valor) apartamento no valor de 3,8 milhões de euros. Em Setembro de 2011 o Ministério Público abre um processo-crime porque a transação não havia sido comunicada conforme decorre da Lei do Branqueamento de Capitais. No mês seguinte, Outubro de 2011, Orlando Figueira abre uma conta bancária no Atlântico, filial portuguesa (e desconhecida da esmagadora maioria dos cidadãos) do angolano BPA. Abrir uma conta num banco marginal é ainda assim um legítimo direito de cada um de nós. Um procurador tem é o especial dever de comunicar essa situação ao Banco de Portugal. O que não aconteceu.

Em Dezembro de 2011, apenas 2 meses após este passo, é distribuído a Orlando Figueira o processo de investigação em curso, relativo a eventual branqueamento de capitais na compra feita por Manuel Vicente. E, na mesma altura, são-lhe creditados 130.000 euros nesta sua novel conta bancária de que o Banco de Portugal ainda não tinha conhecimento. Dirá a acusação, imagino, que foi um adiantamento pelo que viria a seguir.

Porque uns dias depois, em 16 de Janeiro de 2012, Orlando Figueira arquiva o processo em causa por “manifesta ausência de provas”. Afinal, ainda há processos que andam depressa neste país!

Mais rápido, aliás, foi o facto de no mesmo dia, no mesmo exato dia do arquivamento, 16/01/2012, ter sido a conta de Orlando Figueira no Atlântico creditada em 170.000 euros, por ordem da mesma entidade que tinha feito a primeira transferência. A PRIMAGEST. Participada da Sonangol, dirigida anos a fio por Manuel Vicente e braço financeiro do Estado Angolano.

Sustentará a acusação que Orlando Figueira recebeu assim estes 300.000 euros como pagamento pelo arquivamento. Mas que terá recebido mais que isso. Que lhe terá sido oferecido, e aceite, funções de consultoria a prestar ao “nosso” BCP. Aqui o “nosso” é um mero eufemismo literário. Por “nosso” convém ler-se dos acionistas, o maior dos quais… a Sonangol!

Foi assim que Orlando Figueira logo a seguir a estes episódios pede uma licença sem vencimento, à qual a estrutura do Ministério Público deu “luta”. Porque, temendo conflitos de interesses com investigações em curso, exigia saber para onde iria trabalhar o “colega”. Ele sempre negou essa pretensão alegando um contrato de confidencialidade mas dessa forma sempre espicaçando a argúcia dos restantes elementos do Ministério Público.

A licença acaba por ser-lhe concedida com efeitos a partir de Setembro de 2012, tendo ele assumido funções praticamente de seguida no BCP. E mais tarde também no ActivoBank (ligado ao BCP e a Angola). Lá se foi o período de nojo…

Esta narrativa é naturalmente escrita com mera revisão de literatura disponível e não beneficia de nenhum acesso privilegiado à informação, muito menos da investigação. Serve apenas o propósito de tentar demonstrar o fenómeno da fraude, e neste caso particularmente da Corrupção, e como ele se pode estender até aos organismos de investigação e acusação. Em todos os parágrafos supra se poderia incluir “alegadamente”. Logicamente Orlando Figueira tem todo o direito à presunção da inocência e apenas por facilidade de construção do artigo se dispõe com ligeireza o contrário.

Porque, como Pinto Monteiro (ex-Procurador Geral da República) disse ontem mesmo, com a elevação intelectual que se lhe reconhece, não reconhecer que é possível que “o Orlando” (como ele lhe chamou por naturalmente terem anos de convívio na mesma instituição) tenha sido tentado é não reconhecer a condição humana. Ele espera que assim não se verifique, como no limite todos esperamos. Que não passe de uma série de equívocos e coincidências infelizes.

Mas não sendo, como não parece, que este processo não seja arquivado precocemente…

Sai mais forte o Ministério Público e a Procuradoria.

Será que todos temos um preço?