António João Maia, OBEGEF

 

O princípio da realidade começou a fazer-se sentir, fazendo-nos perceber que afinal as grandes orientações macro políticas dificilmente poderão ser muito distintas das anteriores e que continuarão e ser-nos impostas do exterior

Na crónica que deixámos neste espaço a 6 de Novembro de 2015 (suspensos - http://obegef.pt/wordpress/?p=23253), dizíamos, a propósito dos resultados eleitorais das eleições de 4 de Outubro e do jogo das movimentações políticas que dele resultou para a constituição do Governo, e que acabou por se traduzir, como tudo fazia presumir, na solução governativa a que acabámos por chegar, que o acordo à esquerda se mostrava frágil.

Apesar do esforço discursivo dos líderes das forças políticas em presença afirmar a harmonia de projectos e propósitos, a verdade é que, sobretudo por ter sido alcançado assim tão rapidamente, como um estalar de dedos, sem tempo para traduzir um projecto muito pensado e amadurecido, dificilmente se poderia consubstanciar numa base de trabalho de grande solidez.

Rapidamente se percebeu que o grande – e único, como confirmamos agora – propósito comum era o de evitar a continuação da governação anterior, ou seja de afastar a austeridade. E, como é bom de ver, a argumentação nesse sentido rapidamente recolhe um grande apoio das pessoas e traduz-se em reacções de consumistas – os índices de consumo estão já a registar sinais de incremento –. Afinal de contas ninguém é genuinamente a favor da austeridade. O recurso a essa opção é sempre resultado de uma imposição, e a troika tinha-nos imposto essa via.

Mas, importa recordar, foi através das medidas de austeridade que, segundo os sinais que vamos conhecendo, conseguimos dar alguns passos – ténues, é certo! – no sentido de alterarmos a conjuntura pesada das nossas dívidas pública e privada. Mas mais passos teriam de se seguir…

Como afirmámos na ocasião, a solução governativa à esquerda tornar-se-ia volátil quando em contacto com a realidade. E de facto é isso mesmo que temos testemunhado nas últimas semanas.

Primeiro, verificámos que a solução encontrada para o “buraco” provocado pelo BANIF acabou por ser exactamente idêntica à dos casos anteriores, ou seja que vão ser os mesmos do costume – os cidadãos contribuintes – a pagar a factura. Esta solução motivou logo a rejeição da uma das forças políticas desse acordo de princípio e permitiu verificar que no essencial a política do Governo não se tinha afastado grandemente das linhas de acção dos anteriores.

Agora, o projecto de orçamento de Estado apresentado pelo Governo em Bruxelas motiva reacções negativas. À semelhança do que sucedeu com a Grécia no ano passado, os sinais que se conhecem apontam para a necessidade de inserção de medidas adicionais de austeridade.

O princípio da realidade começou a fazer-se sentir, fazendo-nos perceber que afinal as grandes orientações macro políticas dificilmente poderão ser muito distintas das anteriores e que continuarão e ser-nos impostas do exterior. Por isso, muito provavelmente o caminho a seguir acabará por não se afastar muito do que foi trilhado até aqui.

É verdade que esta ingerência europeia nos orçamentos dos países não deixa de conter alguns contornos de intromissão na soberania dos Estados. Por isso ela não pode nunca deixar de ser questionada. Mas, como temos visto e a dinâmica evolutiva da história económica e social tem demonstrado, o poder tem sido exercido sempre no sentido dos credores sobre os devedores, dos mais fortes sobre os mais fracos e, de modo realista, dificilmente se imagina algo diferente.