António João Maia, OBEGEF

 

.O problema no meio de tudo isto – estamos verdadeiramente num terreno novo, que parece muito movediço – é que há uma sociedade com problemas grandes e graves para resolver

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Foi já há pouco mais de um mês – no dia 4 de Outubro – que fomos chamados a votar para a escolha do Governo para conduzir os nossos destinos colectivos nos próximos quatro anos.

Os resultados eleitorais que decorreram desse acto são conhecidos. Apesar de perder a maioria absoluta que detinha no Parlamento, a coligação de direita obteve o resultado mais expressivo dos votos.

Por isso, goste-se ou não, foi com muita naturalidade que vimos o Presidente da República a convidar o líder dessa força política a formar um Governo, mesmo depois de sabermos que se tinham logrado os esforços que tinham sido solicitados e desenvolvidos para alcançar compromissos de apoio parlamentar com as demais forças políticas com assento na Assembleia da República.

As forças partidárias de esquerda preferiram procurar hipóteses que, segundo vamos sabendo pela imprensa, se traduzam numa possibilidade de um Governo alternativo, suportado pela maioria dos partidos de esquerda e decorrente de um compromisso conjunto nesse sentido. Por isso todas elas têm sido unânimes a declarar que o Governo de direita cairá logo aquando da apresentação do seu programa.

Todavia, a verdade é que – se se pode falar em verdade nestas circunstâncias ou sequer se existe uma verdade? – não se conhecem grandes pormenores desse compromisso de esquerda. Mas as linhas programáticas de base de cada uma das forças em presença são reconhecidamente tão díspares, que parece racionalmente muito complexo que agora, em pouco dias e quase repentinamente, se harmonizem todas essas linhas antagónicas. Ou então – a perspectiva de alcançar o poder pode explicar esta conjuntura – o invocado acordo traduz-se a um mínimo denominador comum, que será pouco mais do que nada. Nestas circunstâncias, como muitos vão defendendo, quando os ventos da realidade soprarem com mais força, o acordo acabará por se romper com alguma facilidade e o Governo sairá rapidamente de cena.

De uma forma ou de outra – e este é verdadeiramente o propósito desta reflexão – o que estamos a assistir é uma espécie de feira de vaidades, uma tentativa de alcançar o poder a todo o custo, como se o alcance de um lugar de Ministro ou de Secretário de Estado num qualquer Governo fosse um fim em si mesmo e independente do que depois tenha de se fazer com esse poder em prol e defesa dos interesses da país e sobretudo dos cidadãos.

O que parece nortear verdadeiramente a acção dos líderes políticos é o alcance do poder. Depois o que se faz com ele, a seu tempo se verá…

O problema no meio de tudo isto – estamos verdadeiramente num terreno novo, que parece muito movediço – é que há uma sociedade com problemas grandes e graves para resolver. Os jovens que não encontram saídas profissionais, o crescimento económico que continua pouco mais do que estagnado, o défice da divida pública e das famílias que mantém valores insustentáveis, uma avalanche de refugiados aí à porta, para referir apenas os mais conhecidos e porventura de mais impacto na sustentabilidade da economia portuguesa. O problema é que independentemente do Governo que venhamos a ter, sentimos todos, com impotência, que o verdadeiro poder, o caminho que teremos de seguir, nos vai continuar a ser indicado (imposto) de fora, de uma Europa credora que não se importa com questões menores, internas dos países, sobretudo de países de pequena dimensão e peso económico – veja-se o que sucedeu na Grécia há pouco meses.

E é neste contexto, quando saímos há menos de um ano de um pacote austero de ajuda financeira da troika, que determinou um caminho que se trilhou à custa de medidas duras e difíceis de gerir por parte das pessoas, das famílias e das empresas, que olhamos à nossa volta e, estranhamente, o que conseguimos ver é apenas jogos estratégicos e interesses pessoais dos líderes partidários em busca de acordos com vista a sustentar hipotéticos Governos decorrentes de conjugações de forças que, antes das eleições, ninguém imaginava ser admissível ou possível.

Insisto na ideia de que o que está em causa não é a conjugação de forças que integre o próximo Governo de Portugal. O que está em causa é que, com estes jogos estratégicos, se esquecem os cidadãos, deixando-os suspensos, numa espécie de segundo ou terceiro plano, como se afinal as pessoas e os seus problemas concretos não fossem o mais importante e a verdadeira razão de ser da política.