José António Moreira, Público,

 

 

A imprensa livre é um dos pilares de uma sociedade democrática. No entanto, cada vez é mais raro o jornalismo de investigação. O que parece contar para os jornalistas é um qualquer número que possa dar uma boa capa, independentemente da qualidade do mesmo. Em tal contexto, rapidamente perdem o interesse nos assuntos, porque todos os dias há novos números, não se sabendo se, alguns deles, aparecem com o objectivo de distrair dos assuntos que verdadeiramente interessam.

A resolução do Banif, que tantas primeiras páginas forneceu durante alguns dias, ainda não tem três semanas e já começou a perder o interesse para os jornalistas. No entanto, se há caso em que esse interesse não pode esmorecer é este, pelas responsabilidades, políticas e eventualmente criminais, que há que esclarecer. Uma instituição controlada pelo Estado, em que supostamente não houve uma situação de fraude contabilística como aconteceu no caso BES, não pode desaparecer sem mais, do “dia para a noite”, deixando atrás de si um prejuízo financeiro com a dimensão do que terá de ser suportado pelos contribuintes. Têm de existir explicações cabais e compreensíveis para o comum dos cidadãos.

Os partidos com assento na Assembleia da República parecem estar todos de acordo para a constituição de uma comissão de inquérito destinada ao apuramento de responsabilidades. Se há pessoas a quem tal consonância de posições partidárias pode sossegar, eu não me conto entre elas. Considero que uma comissão parlamentar para este efeito, a exemplo de tantas outras no passado, é meio caminho andado para mais uma chicana política em que no fim o partido que tem a prerrogativa de redigir o relatório da comissão acaba por impor a sua “verdade” que todos os outros contestam. Gastam-se recursos, não se tira qualquer proveito, enterra-se o caso. Poderá ser financeiramente mais custosa, mas seria mais credível encomendar a investigação do caso a uma comissão de peritos independentes. Seria uma afirmação inequívoca de que se pretende saber o que se passou, e por que acabou por ocorrer o desfecho nefasto que todos conhecemos. Um passo para evitar que no futuro tenhamos de voltar a conviver com situações de idêntico teor.

Desde o passado e recente dia 1 de Janeiro, as regras europeias para lidar com instituições financeiras insolventes, como o caso do Banif, implicam a imposição de perdas a depositantes e obrigacionistas com valores superiores a 100.000 euros. A resolução do banco poucos dias antes da entrada em vigor de tais regras parece ter sido forçada por notícia sobre o fecho da instituição difundida por um canal de TV, que originou o início de uma corrida aos depósitos. Entre outras questões a esclarecer, é importante perceber a origem dessa informação, pois à partida fica-se com a ideia de que ela terá sido “encomendada” com a mera finalidade de evitar que a situação do banco fosse tratada em 2016, segundo as novas e conhecidas regras.

A ter suporte esta ideia, tratar-se-á de manipulação de informação financeira e, por isso, passível de ocasionar responsabilidade criminal. Tudo parece apontar para que seja esse o contexto inerente à dita notícia.

A justificação da mesma dada pelo director de informação do dito canal televisivo aumenta a suspeita. Que outra leitura dos factos se pode fazer quando o dito senhor, a posteriori, veio dizer que a realidade corroborou a notícia? Só podia corroborar. Se se difunde tal informação, uma corrida aos depósitos era previsível, e também o era o desfecho que conhecemos, dadas as debilidades financeiras de que a instituição padecia. Portanto, justificar a notícia com o desfecho da situação, quando este é em grande parte consequência daquela, só pode ser “brincadeira”.

Face a casos como este do Banif, e aos montantes envolvidos, parece que os cidadãos, em particular os contribuintes, ficam anestesiados, como se a cada um não coubesse, ou viesse a caber, o pagamento de uma parte dos prejuízos que, por incúria ou dolo, alguém provocou. Onde estão as grandes manifestações a exigir responsabilidades e demissões que em tempos não muito distantes ocorreram por factos quiçá menos gravosos para o país? Tenho uma teoria explicativa. Pode ser considerada naïve, mesmo infantil. Mas não se distinguirá sobremodo de muitas outras que por aí andam a explicar comportamentos sociais.

O Povo, cada um de nós, não tem noção da grandeza da unidade monetária usada para apresentar estes casos. Falou-se que a “factura” para os contribuintes no caso Banif poderá atingir os três mil milhões de euros. Mas o que significa um milhar de milhão de euros para alguém cujo salário anual líquido é, por exemplo, de 30.000 euros? Nada. É quase como dizer que se prevê que o Sol deixe de brilhar dentro de cerca de cinco mil milhões de anos, transformando-se numa gigante vermelha que absorverá os planetas mais próximos. O número é demasiado grande e distante para fazer sentido. Tal como o prejuízo do Banif, e antes deste o do BPN, o do BES … e o que mais aconteceu.

A solução poderia passar por traduzir esses números gigantescos numa unidade de medida que pudesse ser mais fácil de absorver pelo contribuinte. Que tal se o número fosse traduzido em termos do acréscimo do IRS que ele teria de pagar se o encargo fosse pago num só ano? “Sr. contribuinte, o que diz se o seu IRS aumentar 25% no próximo ano para pagar os prejuízos ocorridos com a resolução do Banif?” Creio que se trata de um número mais “terreno”, que não deixará de tocar o contribuinte.

Na sequência da tomada do Banif pelo Santander, uma dos temas aflorados na imprensa foi o do aumento das comissões que os clientes do primeiro dos bancos iriam ter na transição para o segundo, considerado um banco com “serviços caros”. Pareceu-me, na altura, assunto que, face à gravidade da situação geral da resolução do banco, seria de menor importância.

No entanto, ele deve ser motivo de reflexão. Fruto do menor volume de crédito concedido às empresas, pois tendem a fazê-lo unicamente às de muito bom rating e a taxas de juro com spreads muito baixos, as margens financeiras que as instituições necessitam para remunerarem os seus accionistas e, antes do mais, cobrirem os seus custos de funcionamento acabam por não se concretizarem. Vai daí, lançam-se sobre as comissões que cobram, aumentando-as para além do que seria razoável.

O cliente, para movimentar os seus fundos, que a instituição financeira tende a usar sem qualquer custo, passa a ter de pagar. Veja-se, por exemplo, quanto custa hoje a comissão anual de posse de um vulgar cartão de débito que permita levantar dinheiro numa caixa Multibanco?

Portanto, se à condição de cliente bancário se adicionar a de contribuinte, e responsável primeiro pelo que de mau pode acontecer às instituições financeiras portuguesas, é caso para exclamar: “Estou a ser duplamente explorado!”