Manuel Carlos Nogueira, Público,

 

Nas últimas décadas do século passado, assistimos a diversas evoluções tecnológicas e a um aumento da globalização. As empresas para sobreviverem viram-se forçadas a efetuar melhorias contínuas. As que não aderiram a estes processos de melhoria contínua acabaram por entrar em insolvência, ou foram adquiridas por outras mais capazes de se adaptar a esta constante e crescente concorrência.

Em nome do aumento dos lucros para os seus shareholders, muitas foram deslocadas para países onde muitas vezes a mão-de-obra apesar de ser mais qualificada é mais barata, já que qualquer empresa pretende criar valor e todas as decisões e investimentos destinam-se a incrementar esse mesmo valor.

No atual ambiente conturbado que vivemos, os gestores apenas se preocupam em criar valor para os shareholders, promovendo decisões ajustadas à moderna gestão baseada em valor. Chegam mesmo a quantificar esse valor criado, através de métricas próprias. Autores como Rappaport (1998), criaram modelos que permitem calcular o valor criado para os shareholders.

O principal impacto que uma empresa tem na sociedade são os produtos e serviços que ela põe à disposição dos seus clientes. Para os produzir são consumidos recursos dessa sociedade o que provoca um lógico desgaste na relação entre empresas e sociedade, pois estas apenas pensavam em maximizar a criação de valor para si próprias.

Assim, surgiram as preocupações com a chamada responsabilidade social das empresas como resposta ao desgaste que estas provocam. Felizmente que nos últimos tempos, o tema da criação de valor pelas empresas tem sido mais alargado, fruto de Michael Porter e Mark Kramer (2011). Estes autores lançaram o desafio da criação de valor partilhado (CVP).

Á partida parece tarefa difícil distinguir as diferenças entre a responsabilidade social corporativa e a criação de valor partilhado., mas não o é. Em termos gerais, o valor partilhado é criado quando as empresas além de criarem valor para si, também criam valor para a sociedade, nomeadamente em termos sociais e ambientais. Para Porter e Kramer a abordagem da criação de valor para os shareholders que surgiu nas últimas décadas, está ultrapassada. Para estes autores, as empresas que continuem a ignorar as necessidades mais importantes dos seus clientes estão condenadas ao insucesso e ao encerramento.

Uma boa forma das empresas perceberem como podem criar valor partilhado é identificar as necessidades e anseios que podem estar associados aos seus produtos por parte dos seus clientes, e através dessa identificação descobrir novas oportunidades que lhe permitirão diferenciar-se dos seus concorrentes. Muitas as empresas globais já estão a implementar esta nova abordagem, permitindo o progresso da sociedade e o crescimento mais acelerado das suas atividades empresariais.

As empresas podem criar oportunidades de valor partilhado de três formas distintas:

  • Atender às necessidades sociais inovando;
  • Redefinir a produtividade na cadeia de valor, administrando corretamente os recursos naturais essenciais;
  • Incentivar o desenvolvimento de clusters

Uma empresa pode criar valor para si e criar valor social ao mesmo tempo, basta que para isso por exemplo, redefina a sua produtividade na cadeia de valor através da diminuição do consumo de recursos naturais que por norma são escassos, o que criará uma empatia das comunidades locais para com a empresa. Outro exemplo existe quando a empresa incentive fortemente a criação de clusters locais. Para Porter e Kramer, quando uma empresa cria um cluster ao redor das suas principais bases de operação, o elo entre esta e as comunidades locais sai reforçado, pois isso permite lançar novos negócios, tanto principais como auxiliares o que gera emprego direto e indireto. A comunidade local certamente ficará grata por isso. Estes autores chamam particular atenção para a forma como a sociedade penaliza as empresas que não incorporam na sua estratégia a preocupação em resolver os problemas sociais e ambientais, como seja o caso de empresas que não se preocupam em diminuir ou eliminar a poluição que provocam.

Uma pergunta pode ser feita nesta altura. A preocupação que as empresas devem ter com os problemas sociais e ambientais vão aumentar os seus custos? A nossa resposta é que não, até pelo contrário. Através do investimento em tecnologias mais limpas e mais eficientes, através da melhoria da sua gestão e da sua constante inovação a empresa aumenta a sua produtividade e por consequência o seu lucro. Assim, esforços para promover a criação de valor partilhado reduzem os custos para as empresas e aumentam a sua rentabilidade.

Importa realçar que a filosofia que está na génese da criação do valor partilhado, não é pura e simplesmente as empresas redistribuírem pela sociedade o seu valor, mas sim obter valor acrescido através de melhores práticas sociais e ambientais e é esse acréscimo que vai ser distribuído pela sociedade de diversas formas. Assim, as empresas e os empresários contribuem para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo, ao mesmo tempo que respeitam os valores e princípios da sociedade em que se inserem.

Ainda para Porter e Kramer, criar valor partilhado por via de preocupações sociais e ambientais, trará um grande contributo para o crescimento económico mundial, reinventado o capitalismo com benefícios para todos.

Para bem de todos, já muitas empresas a nível mundial aderiram a este conceito, pois perceberam a tempo que, para terem sucesso a longo prazo e para continuarem a criar valor para os seus shareholders deverão em simultâneo gerar e partilhar valor com a sociedade. Uma conhecida multinacional do ramo alimentar reorientou a sua produção para a necessidade fundamental de melhorar a nutrição em detrimento de gerar maior consumo. Basta ler com atenção os seus relatórios anuais de criação de valor partilhado, para perceber a sua preocupação e o seu comprometimento com a partilha de valor.

As oportunidades para a criação de valor partilhado estão a crescer, pois este abre novas necessidades a satisfazer. Para aproveitar essas oportunidades basta que os gestores estejam atentos aos sinais que a sociedade emite.

Os governos também têm um papel importante neste assunto, pois devem emitir legislação no sentido de incentivar a partilha de valor, quer através de benefícios fiscais, quer através de apoios à utilização de tecnologias que proporcionem um desenvolvimento sustentável. Porque não incluir no novo quadro comunitário de apoio verbas próprias para apoiar projetos que tenham como prioridade a aposta num desenvolvimento sustentável?

O caminho para chegarmos a uma plena criação de valor partilhado é longo, mas sem dúvida que já começou a ser percorrido e como tudo na vida, quem vislumbra primeiro uma mudança positiva é aquele que acaba primeiro por lucrar com isso. Será que os gestores portugueses já perceberam corretamente as vantagens desta grande transformação no pensamento de gestão?