Manuel Castelo Branco, Visão on line,
Nunca nenhum economista obteve um prémio Nobel da economia porque tal prémio não existe. O que existe de facto é um prémio instituído no final da década de 60 do século passado pelo Sveriges Riksbank, o banco central da Suécia.
...
O mais recente “prémio Sveriges Riksbank de ciências económicas em memória de Alfred Nobel” foi atribuído no passado dia 12 de Outubro a Angus Deaton, economista de origem escocesa, mas com dupla nacionalidade, norte-americana e britânica.
Angus Deaton não ganhou o prémio Nobel da Economia. Nunca nenhum economista obteve tal distinção porque esse prémio não existe. O primeiro economista a ganhar um verdadeiro prémio Nobel foi Muhammad Yunus quando, em 2006, foi agraciado com o prémio Nobel da Paz.
O que existe de facto é um prémio instituído no final da década de 60 do século passado pelo Sveriges Riksbank, o banco central da Suécia. Embora os galardoados com esta distinção também sejam selecionados pela Academia Sueca Real de Ciências, ele não tem qualquer ligação com Alfred Nobel. Mais ainda, ele não é, como os prémios Nobel, financiado pela Fundação Nobel, portanto por dinheiro privado, mas antes por dinheiro público da organização que o instituiu.
Trata-se de um prémio bastante controverso. Há mesmo quem o designe de “hábil mistificação” ou se refira a ele como a “fraude do prémio Nobel da economia”. Como quer que seja, a verdade é que os próprios descendentes de Alfred Nobel se têm pronunciado contra a associação usualmente estabelecida entre este prémio e os verdadeiros prémios Nobel. Por exemplo, em 2001, declararam a necessidade de os dissociar e afirmaram que o prémio do Sveriges Riksbank degrada e banaliza os verdadeiros prémios Nobel. Peter Nobel terá até afirmado que se tratava de “uma jogada de relações públicas para os economistas melhorarem a sua reputação”.
Há quem afirme que não nos devemos deixar “enganar pelo prémio Nobel” porque, na verdade, “a economia não é uma ciência” ou que “não é um Nobel verdadeiro e a economia não é uma verdadeira ciência”. A existência de um prémio “Nobel” da economia atribui-lhe uma aura de cientificidade que talvez esta área do conhecimento não deva possuir. No discurso proferido durante o banquete de receção do prémio do banco central da Suécia, em 1974, Friedrich Hayek afirmou que se tivesse sido consultado sobre a eventualidade da criação de um prémio Nobel da economia se teria pronunciado contra. Uma das razões que apresentou para isso foi a de que esse prémio confere a um indivíduo uma autoridade que no caso da economia ninguém devia possuir. Estas afirmações são melhor compreendidas se lidas à luz da sua palestra em memória de Alfred Nobel com o título “A pretensão do conhecimento”, na qual, debruçando-se sobre a diferença entre a economia e as ciências físicas, afirmou que, ao contrário do que sucede nestas, “na economia e noutras disciplinas que lidam com fenómenos essencialmente complexos, os aspetos dos eventos a serem estudados sobre os quais podemos obter dados quantitativos são necessariamente limitados e podem não incluir os mais importantes. Enquanto nas ciências físicas geralmente se assume (…) que qualquer fator importante que determina os eventos observados será ele próprio diretamente observável e mensurável, no estudo de fenómenos tão complexos como o mercado, que depende das ações de muitos indivíduos, (…) todas as circunstâncias que determinarão o resultado de um processo dificilmente serão alguma vez totalmente conhecidas ou mesmo mensuráveis.”
Por isso, é muito perigoso aceitar, com base na autoridade que se lhe atribui por a economia ser considerada uma ciência, afirmações de que esta ou aquela forma de resolver um problema de natureza social é a correta por ser a que está de acordo com o que diz a análise económica. A realidade não é assim tão simples. A economia enquanto área do conhecimento é constituída por múltiplas visões da realidade, algumas verdadeiramente contraditórias, e entre economistas há inúmeros debates sem solução à vista. O facto de algumas dessas perspetivas passarem uma imagem de cientificidade por recorrerem fortemente à matemática nos modelos que da realidade oferecem não é motivo para se ter maior confiança nelas. A verdade é que a validade destas perspetivas está limitada pela verificação de pressupostos muito específicos de que raramente se fala, de tão enterrados que ficam nas obras da especialidade.