Orlando Mascarenhas, OBEGEF

 

.Nos princípios constituintes da CPLP e nos princípios consagrados na carta dos Direitos Humanos, não se encontram consagrados a permissividade à intolerância e intransigência de atitudes ditatoriais.

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À data em que escrevo este artigo, desconheço qual será a  consequência, em termos de saúde física e mental, de um ser humano, que por acreditar nas suas convicções, entrou num processo de suicídio através da não ingestão de alimentos, vulgarmente designado por greve de fome.

Para percebermos um pouco daquilo que está em causa, recuemos um período temporal e posicionemo-nos em 1996.

Em 17 de julho de 1996, um conjunto de estados, dos quais Portugal faz parte, foi criada a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, vulgarmente conhecida como CPLP. Compõem esta comunidade, para além de Portugal, os estados de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

A CPLP rege-se pelos princípios da igualdade soberana dos Estados membros, pelo respeito da identidade nacional, da reciprocidade de tratamento e, para além de outros, destaco aquele que neste momento considero fundamental, o do primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social.

E destaco este princípio, não só por tudo aquilo que o mesmo representa, como pedra basilar na construção e desenvolvimento da vida do ser humano em sociedade, como também pela importância que o mesmo tem para que os objetivos gerais desta Organização, razão de ser da mesma, se concretizem. Vejamos um desses grandes objetivos: a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, cultura, desporto e comunicação social.

Como facilmente conseguimos verificar, tal objetivo só é passível de ser perseguido e atingido se os cidadãos dos Estados-Membros viverem o seu dia-a-dia sob o teto da paz, dos direitos humanos, da justiça social, do estado de direito.

Como o próprio nome indica, estamos perante um conjunto de países que possuem em comum um património poderosíssimo, a língua portuguesa, que deverá ser a língua oficial dos Estados que integram esta Organização.

No ano de 2014, juntou-se a esta comunidade de países que primam pelo legado da paz e dos direitos humanos a Guiné Equatorial, como membro de pleno direito da CPLP. Tal desígnio foi possível através do consenso generalizado favorável à entrada da Guiné Equatorial por parte dos Estados-Membros.

Recordemos alguns factos referentes a este novo membro da CPLP.

Diversas organizações internacionais de direitos humanos, apontam a Guiné Equatorial como estando entre os 20 países menos livres do mundo. Tortura em prisões, encarceramento arbitrário, o uso excessivo da força por parte dos elementos de forças de segurança, a falta de assistência médica para aqueles que são alvo destas ações, a falta de liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação e a enorme corrupção a nível oficial - existem enormes suspeitas de fraude generalizada nas eleições de 2009 e 2013, são indicadores de um país que vive no terror, sem qualquer princípio de democracia, sem justiça social e, com a existência no país da execução por força da pena de morte.

Aquando da adesão deste país à CPLP, diversos compromissos foram assumidos, como contrapartida para a sua adesão. Um deles seria o do legado da língua, isto é, na Guiné Equatorial, a língua oficial não é o português, contrariando um dos princípios que consagram a pertença à CPLP e, até à data, nem este compromisso foi tentado em ser cumprido.

Os interesses económicos, para todos aqueles que “num consenso generalizado” foram favoráveis à integração da Guiné Equatorial, são largamente superiores às pessoas, à democracia, à paz, aos direitos humanos e, continuam a sê-lo, pois só assim se compreende toda a apatia e de alguma forma uma certa cumplicidade, com os atos praticados contra cidadãos, à margem do consagrado nas leis e nos acordos internacionais, onde através da ausência de ação se pactua pela omissão, permitindo ou nada fazendo para impedir que a prepotência e a falta de consciência democrática se imponha sobre os cidadãos. Neste momento acontece na Guiné Equatorial, como também em Angola.

Nos princípios constituintes da CPLP enos princípios consagrados na carta dos Direitos Humanos, não se encontram consagrados a permissividade à intolerância e intransigência de atitudes ditatoriais. Temos o dever de agir contra tais atitudes. Será sempre uma fraude, para com todos os cidadãos, o nada fazer para tentar impedir um suicídio.