Óscar Afonso, OBEGEF
A percepção social da fraude e evasão fiscais tem um peso importante na fuga aos impostos
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Na última crónica referi que a fuga aos impostos representa uma degradação da própria cidadania, porque é o dever cívico de pagamento de impostos e contribuições que permite ao Estado cumprir os seus deveres: promoção da eficiência económica, da equidade, da estabilidade macroeconómica e do crescimento económico.
No contexto actual, para evitar a fuga parecem necessárias algumas medidas. Recorde-se que a reforma fiscal do período 1986-1989 introduziu o IVA (1986) e alterou a tributação sobre o rendimento, com as entradas em vigor do IRS e do IRC (1989). Para além das alterações na natureza da tributação, esta reforma introduziu alterações no âmbito das competências da administração fiscal e no modelo de relacionamento entre a administração fiscal e o contribuinte, tendo sido transferida boa parte da administração dos impostos para os sujeitos passivos.
Em particular, no actual sistema fiscal português, torna-se imperiosa a acção de controlo fiscal sobre o acto declarativo a fim de aferir da sua veracidade, para a qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) conta com a acção nuclear da inspecção tributária (IT), na missão de combate à fraude e evasão fiscais. No entanto, a colaboração coordenada com outras entidades pode potenciar esse combate.
Recorde-se também que o Plano Estratégico de Combate à Fraude e Evasões Fiscais e Aduaneiras 2012/2014 (PECFEFA) refere, logo na sua introdução, “as grandes linhas estratégicas de actuação de médio prazo” da AT, “visando atingir progressos significativos nos níveis de eficácia no combate aos fenómenos de incumprimento fiscal e, em especial, aos esquemas de fraude de elevada complexidade e à Economia Informal.” É igualmente reconhecida a importância da inspecção tributária para a evolução e reforma do sistema fiscal, promovendo o combate à fraude e evasão fiscais, e as correções sobre as injustiças fiscais, visando, para tanto, a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias.
Note-se que a generalidade do incumprimento tributário se manifesta em situações em que os contribuintes: não se registam formalmente; embora registados, não declaram as suas operações e os seus rendimentos; embora declarando, fazem-no incorretamente de forma negligente ou de forma premeditada em seu proveito, via, por exemplo, subfacturação ou empolamento de custos. Sendo da responsabilidade da IT o controlo da veracidade das declarações dos contribuintes registados e a actuação junto dos contribuintes que operam sem qualquer registo formal, cumpre-lhe o combate à componente Economia Subterrânea da Economia Paralela.
O PECFEFA apresenta também medidas de combate à fraude e evasão fiscais, abrangendo actuações de âmbito criminal, legislativo, operacional, institucional e da relação com o contribuinte. Refira-se que algumas das medidas foram já contempladas em alterações legislativas; destaque-se a obrigatoriedade de utilização de programas de facturação certificados para os contribuintes que desenvolvam actividades empresariais e da imposição de um regime que regule a emissão e transmissão eletrónica de facturas e outros documentos com relevância fiscal, em sectores de atividade considerados de maior risco de Economia Paralela.
A percepção social da fraude e evasão fiscais tem um peso importante na fuga aos impostos. Assim, de maneira a mitigar o incumprimento fiscal, aumentando a percepção do risco que lhe está associado, considera-se que a administração tributária deverá assumir uma actuação dicotómica. Por um lado, intensificando os controlos massivos e automáticos, através dos sistemas de informação das diversas áreas de gestão do imposto e, nesse sentido, esforçando-se por aproximar cada vez mais o momento da detecção do incumprimento ao da sua ocorrência. Por outro lado, investindo nas acções de inspeção ‘no terreno’, particularmente, nas situações de fraude e evasão fiscais de maior complexidade e dirigidas às actividades económicas mais permeáveis, as quais contribuem maioritariamente para a Economia Subterrânea.
São então vários os motivos porque se deve mover a IT na perspectiva de prevenir e combater a fraude e a evasão fiscais, pois do seu sucesso poderá advir o incremento da receita fiscal, o sentido de equidade fiscal, a redução do esforço fiscal por parte dos contribuintes cumpridores, o aumento da competitividade económica por efeito do combate à concorrência desleal e a redução de crimes associados à fraude fiscal (como sejam os provenientes da produção e tráfico de estupefacientes, de mercadoria ilegal ou roubada, do contrabando e do branqueamento de capitais, os quais degradam o ambiente social). Este conjunto de motivos interfere, seguramente, com a percepção social que cada contribuinte tem sobre o risco de incumprimento, ganhando plano de evidência, as duas ordens de competência assumidas pela IT no combate à fraude e evasão fiscais: a preventiva e a repressiva.
Por um lado, deve ser prosseguida uma actuação de cariz preventivo, no sentido de promover o acompanhamento da actividade e o cumprimento das obrigações fiscais por parte dos contribuintes, procurando fomentar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais. Por outro lado, a natureza repressiva da sua actuação permite identificar situações de negligência, de evasão ou de fraude fiscais, apurando o imposto em falta e agindo punitiva e criminalmente, sempre que a gravidade do incumprimento assim o justificar. A promoção do cumprimento voluntário das obrigações fiscais, quando a maioria do mecanismo de tributação assenta no acto declarativo do contribuinte, deve ser acompanhada de práticas que elevem a percepção do risco de incumprimento, de modo a alcançar o cumprimento voluntário. Deverão então ser privilegiadas inspecções externas, sobretudo sobre pessoas colectivas cujos factos objecto de inspecção respeitem a anos mais próximos, cooperando com outras entidades inspectivas em acções conjuntas.
Por outro lado, a potencialização das tecnologias de informação pode, além da intensificação dos controlos massivos e automáticos, prestar um contributo relevante na selecção eficaz dos contribuintes a inspecionar e na detecção das práticas de incumprimento fiscal, dinamizando a auditoria tributária por meios informáticos.
Por fim, uma última referência para os factores críticos de sucesso elencados no PECFEFA dos quais depende o sucesso de actuação das diferentes entidades. Esses factores respeitam à visibilidade de actuação, ao aumento da percepção de risco associado ao incumprimento, à melhoria dos métodos de trabalho, à qualidade técnica da sua fundamentação, à optimização dos sistemas de informação e da selecção de contribuintes a inspecionar, à estabilidade legislativa, à cooperação com outras entidades, à formação e especialização dos recursos humanos, à ausência de conflito de interesses por parte dos inspectores, ao incremento das regularizações voluntárias e da cobrança efectiva dos valores liquidados.