António João Maia, OBEGEF
Para lá de projetos e propósitos comuns, uma União pressupõe a existência de outros dois elementos fundamentais e determinantes, que são a confiança e crença
A ideia de União remete-nos para noções como as de projetos partilhados e propósitos e objetivos comuns, apenas alcançáveis de modo conjunto.
O homem, como já vimos em reflexões anteriores, é um ser gregário. É em grupo – na sociedade organizada – que realiza a sua dimensão cultural. Por isso é inerente a esta sua natureza social e cultural que a vivência em sociedade implique necessariamente uma dimensão de partilha.
Mas – os estudos etnográficos e antropológicos mostram isto de modo muito claro – os processos de partilha de projetos – de União – apenas existem e funcionam de modo efetivo na medida em que sejam e se mantenham genuínos. Enquanto as partes que os integram – aqueles que unem esforços – acreditarem e sentirem que assim é, ou seja que todos estão igualmente empenhados, motivados e envolvidos na prossecução dos propósitos e interesses comuns. Enquanto aderirem de modo convicto e enquanto sentirem sinais de que todos os outros – os parceiros de projeto – agem e atuam de modo idêntico.
Assim e para lá de projetos e propósitos comuns, uma União pressupõe a existência de outros dois elementos fundamentais e determinantes, que são a confiança e crença. Estes dois elementos funcionam como uma espécie de cimento que permite a agregação de todas as partes num verdadeiro espírito de União. Bastará a ausência de um deles – e eles estão intimamente interligados entre si – para que a ideia de União se converta apenas e só num discurso vazio e oco. Se, por qualquer razão, num projeto de União uma das partes desacreditar, desmobiliza-se. E logo que esse sinal seja lido pelas demais partes, tende naturalmente a ter um efeito de as desmobilizar do projeto. Perde-se o espírito de União. Perde-se a União.
E este parece ser o ponto em que nos encontramos presentemente no âmbito do processo evolutivo da União Europeia. Se existiu um projeto de União – e julgo que existiu e durante muitos anos – presentemente e sobretudo a partir do momento em que ele entrou em lógicas de créditos e dívidas, de países que possuem créditos sobre outros, de argumentos explicativos e justificativos de umas e de outras partes, parece-me que se esse cimento, essa espécie de capital, se foi perdendo. A confiança de se estar a construir algo em conjunto, deu lugar à desconfiança, ao descrédito.
E, como é também natural nestes processos, tem-se assistido a uma tendência para atirar as culpas para os parceiros. Os países credores a invocarem que os deficitários têm vivido à custa dos esforços e das poupanças dos seus cidadãos. E os países endividados a explicar que o processo de ajustamento derivado da adesão ao Euro se tem revelado complexo e por isso mesmo a requerer apoios que minorem efeitos perversos sobre a qualidade de vida média dos seus cidadãos. E a lógica discursiva é sempre a mesma – a culpa é dos outros.
O recente processo de negociação com a Grécia, para lá de explicações mais específicas que têm sido apresentadas, tem revelado esta lógica. A culpa é da outra parte. E neste particular chegou-se mesmo a um limite em que o processo negocial tinha duas partes na confrontação de argumentos – o governo da Grécia a uma lado, e um bloco constituído pelos governos dos restantes 18 países que integram o Euro, a outro. E neste ponto, sem questionar quem tinha razão – se alguém de facto a teria? – julgo ser pertinente questionar se faz ainda sentido falar em União Europeia? Nesse projeto solidário, de entreajuda, de procura de soluções conjuntas que permitam melhorar a qualidade de vida média dos cidadãos dos povos europeus?
Independentemente do que possa acontecer daqui para a frente e dos acordos que, neste âmbito, venham a ser conseguidos, julgo que no essencial a essência de União já se perdeu. Daqui para a frente teremos muito provavelmente um discurso que, apesar de continuar a fazer referência a uma União, revelará na realidade ser uma espécie de capa sobre um processo em que cada um está por si.