Carlos Pimenta, OBEGEF

Não será a fraude uma manifestação do princípio da eficiência?

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Estávamos em 1932, em plena crise, que se iria arrastar em depressão durante uma década atravessada por uma guerra mundial. Com a produção arrasada, com falências, com máquinas e equipamentos parados, ou irremediavelmente perdidos, com matérias-primas sem aproveitamento e com milhões de desempregados nos países mais desenvolvidos do mundo, isto é, com excesso de recurso produtivos, contra a vontade de todos e as necessidades de desenvolvimento, Lionel Robbins, apresentou no seu livro Essay on the Nature and Significance of Economic Science uma definição da ciência económica que se tornou canónica, após um período em que a lógica fundamental era sair da crise e potenciar o desenvolvimento: gestão da “relação entre fins e meios escassos susceptíveis de usos alternativos”.

As condições sociais ‒ mais do que a clarividência das teorias explicativas do comportamento dos homens e das instituições ‒ impuseram uma extensa aceitação daquela definição, aplicada do mundo dos negócios, ontem, também às relações amorosas, hoje. E tudo é economia porque estamos sempre frente a recursos escassos, seja o dinheiro ou o conhecimento, seja o tempo ou a informação. A racionalidade reduz-se à capacidade instrumental de atingir os fins definidos com a combinação óptima de recursos. Que o máximo prazer de uns seja a máxima dor dos outros é irrelevante. Só um critério decide o que é melhor para a sociedade: a eficiência na aplicação dos recursos.

Eficiência, eficiência, eficiência. Eis a trilogia da ciência económica e as directrizes que manda para a política económica. A utilização plena dos recursos está fora da trilogia, assim como o estão um nível de vida decente, uma distribuição justa do rendimento, as condições agradáveis no trabalho e na vida, um ambiente ecológico e saudável, uma coesão social agregadora dos cidadãos. E, contudo, são objectivos importantes da sociedade humana, como nos recorda Katouzian1. Sob a capa da tecnicidade e da desideologização promove-se um enunciado prescritivo em que o Homem e a Sociedade podem ser esquecidos. A amoralidade economicista é uma atitude ética destruidora de valores prescritivos ou éticos fundamentais para a vida em sociedade, logo para todos os nós.

Como nos recorda Manuel Branco2, há um conflito de linguagem, e de lógica, entre a ciência económica dominante hoje e o respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada por unanimidade, com pompa e circunstância, quiçá com muito cinismo e falta de memória, adoptada pela ONU em 10 de Dezembro de 1948. À justiça dos fins é imprescindível atender à justeza dos meios. Os direitos aplicam-se as todos, a exclusão não é admissível, no acesso a bens, quer sejam públicos ou privados. A inclusão e a equidade são valores fundamentais que exigem um Estado vigilante e representativo, não apenas formal ou legalmente, dos cidadãos. A confiança e a responsabilidade para consigo e os outros são a outra face da qualidade de requerente de direitos por parte de cada um.

Mas, não será também a fraude uma manifestação do princípio da eficiência? É verdade que a utilidade da comunidade é a soma das utilidades individuais e que a fraude traz sempre prejuízos para terceiros, mas aqueles não serão mais que compensados pelo prazer dos defraudadores? É verdade que a fraude viola o princípio fundamental da garantia dos direitos, inclusive de propriedade, mas não acontecerá o mesmo com a aplicação exclusiva e soberana da eficiência?

Se temos de repudiar a fraude, combatê-la e impedir a sua manifestação, como podemos ficar social e eticamente insensíveis á lógica exclusiva da eficiência?

 

 

1 Katouzian, Homa. 1982. Ideologia y Metodo en Economia. Madrid: Editorial Gredos. Original edition, 1980.
2 Branco, Manuel Couret. 2012. Economia Política dos Direitos Humanos. Os direitos humanos na era dos mercados. 1ª ed. Lisboa: Edições Sílabo.