Bruno Sousa, Visão on line,

Mas, aqui chegados, urge questionarmos do porquê da maior parte dos cidadãos não se mostrarem surpreendidos com o resultado desta investigação

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Nos últimos dias temos assistido à detenção de altos dirigentes da Federação Internacional do Futebol (FIFA) na Suíça a pedido das autoridades norte-americanas que, simultaneamente, solicitaram a extradição dos detidos.

Esta diligência tem por base os fortes indícios da prática, entre outros, dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. As autoridades norte-americanas investigam factos de 1990! Sim, caro leitor, não há engano, desde 1990!

Aparentemente estes altos dirigentes da FIFA terão solicitado elevadas quantias a empresas de marketing desportivo para, em troca, lhe concederem direitos comerciais e televisivos de competições organizadas pela FIFA, como os jogos dos Mundiais de futebol ou das fases de qualificação da CONCACAF (a Associação de Futebol da América do Norte, Central e das Caraíbas).

Mas, como chegamos aqui? Como é que a investigação norte-americana recolheu indícios que permitissem a detenção dos referidos dirigentes?

Será que foi por via do Commitee de Auditoria da FIFA? Dos auditores externos? De algum órgão judicial ou administrativo Helvético (já que que a FIFA tem sede na Suiça) ou de outros pais? Ou simplesmente foi o sistema de controlo interno estabelecido na FIFA que funcionou?

Não caro leitor, desengane-se. Sem a preciosa ajuda de Chuck Blazer, um ex-executivo da FIFA, esta investigação nem sequer se tinha iniciado!

Como este caso evidência, quando uma associação criminosa toma conta de uma organização, ou de parte dela, qualquer investigação criminal ou administrativa dificilmente chegará a resultado algum. As organizações são constituídas por pessoas e são estas as que controlam os sistemas instituídos.

A investigação administrativa esbarra no famoso princípio da colaboração, que nestas situações de alguma complexidade, acaba por redundar na ausência de informação ou na prestação de informação deficiente ou incompleta, por parte da entidade chamada a colaborar.

A Administração fica de mãos atadas, já que se não existirem indícios criminais, pouco ou nada pode fazer, restando-lhe a aplicação de uma coima (o preço a pagar por quem não colaborar).

O princípio da colaboração, nestas situações, apenas serve para o infrator ganhar tempo e esperar que a Administração se canse e desista!

A investigação criminal à posterior, nestes casos, acaba por esbarrar essencialmente no segredo bancário e nos off-shores que dificultam e/ou ocultam os reais beneficiários dos montantes financeiros constantes em contas bancárias ou outros produtos financeiros neles sediados.

Só através de uma investigação criminal em tempo real, é possível a aplicação de outros meios de recolha da prova, como escutas telefónicas ou gravações de reuniões ou encontros. Como parece ter acontecido neste caso, já que de acordo com o jornal Daily News Chuck Blazer usou dispositivos de gravação em reuniões com funcionários da FIFA.

Mas, aqui chegados, urge questionarmos do porquê da maior parte dos cidadãos não se mostrarem surpreendido com o resultado desta investigação.

Talvez, entre outras razões, pelo facto da maior parte destes dirigentes já acompanharem o atual Presidente da FIFA, o Sr. Joseph Blatter, que acabou por ser reeleito para novo mandato de 4 anos, desde 1998. Há quase 17 anos!!! Quatros dias depois da reeleição, e após a pressão dos principais patrocinadores dos eventos organizados pela FIFA, o Sr. Joseph Blatter demitiu-se.

Ora, a limitação dos mandatos de toda a classe dirigente, seja em entidades públicas ou privadas, é sempre uma medida que pode atenuar o risco de ocorrência destas situações.

Se para as entidades públicas não nos parece existir qualquer resistência na sua aplicação, será desejável que, pelo menos nas entidades privadas que gozam do estatuto de utilidade pública reconhecida pelos respetivos Governos ou que pretendem usufruir de benefícios fiscais ou de subsídios públicos, a limitação de mandatos da sua classe dirigente seja obrigatória.

Obviamente que esta limitação deverá tentar minimizar o risco dos dirigentes que atinjam o limite dos seus mandatos não se transformarem em dirigentes de facto com recurso a “testas de ferro”, bem como, deverá ser extensível a entidades que com as referidas entidades privadas tenham relações especiais.

Aqui, o interesse público de evitar estas situações parece justificar a restrição na autonomia privada, de entidades que beneficiam direta ou indiretamente do apoio do respetivo Estado, que a limitação de mandatos configura.

Assim, só através de medidas preventivas e do seu devido acompanhamento permanente é possível reduzir o risco do aparecimento da corrupção, branqueamento de capitais e da fraude fiscal em qualquer organização.