António João Maia, Diário Económico

Os cidadãos consideram ser governados por uma classe política corrupta

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A democracia é o modelo de organização política em que o poder está nas mãos do povo. Os cidadãos, através do voto livre, secreto e universal, escolhem as que consideram ser as melhores opções para a condução dos interesses de todos. Os eleitos governam em nome do povo e em respeito pelos interesses coletivos. A democracia é participação e confiança. A corrupção, como um vírus, destrói a fiabilidade do modelo.

A democracia é participação responsável, porque os cidadãos são chamados a participar activamente na construção do futuro, e os escolhidos devem governar com a responsabilidade de exercer essa tarefa em nome do superior interesse colectivo. E é confiança na medida em que os governantes mostrem e os cidadãos sintam que o exercício da governação se faz unicamente em função desses interesses e da opção que foi sufragada pelo voto.

A corrupção traduz uma inversão de todo este modelo. Os interesses particulares sobrepõem-se e subjugam os colectivos. A governação deixa de se fazer de acordo com aqueles princípios. Prefere o acesso privilegiado aos bens e património públicos, provocando custos acrescidos, que todos têm de suportar.

Os actos de corrupção apresentam efeitos perversos sobre os pressupostos do modelo. Os cidadãos sentem-se defraudados nas suas expectativas, e a relação de confiança fica abalada, dando lugar à desconfiança - a propósito dos sinais de alastramento do problema da corrupção, o primeiro-ministro inglês, David Cameron, agendou como tema importante para a reunião do G7, que decorre por estes dias na Alemanha, a procura de soluções num quadro de cooperação internacional.

De facto, nos últimos anos os países têm sido varridos por verdadeiras ondas mediáticas de suspeição de práticas de corrupção envolvendo detentores dos mais diversos cargos da governação pública. Correlativamente, os inquéritos de opinião revelam que os cidadãos consideram ser governados por uma classe política corrupta. Por isso caíram em desconfiança e descrédito. Também por isso se assiste à redução das taxas de participação eleitoral, de que Portugal é exemplo.

E é neste enquadramento, a que não faltam outros fatores da crise económica que atravessamos, que têm surgido novas propostas e alinhamentos políticos, numa espécie de alternativas para a refundação da confiança e da esperança das pessoas. Aconteceu assim na Grécia e em Espanha, com o surgimento de forças políticas alternativas aos partidos tradicionais, com resultados eleitorais que não podem deixar de se considerar importantes e porventura anunciadores de ventos de mudança. Portugal parece estar a assistir a uma dinâmica semelhante.

Agora, quando o país já entrou num ciclo eleitoral acelerado, com eleições legislativas e presidenciais agendadas para os próximos meses, e com processos judiciais quentes com suspeições de corrupção por governantes e ex-governantes, importa perceber como se vai movimentar este jogo de forças e em que medida vão os novos discursos ser acolhidos pela população.